Fui ontem visitar as
instalações do novo ginásio virgin, ali no centro de Lisboa: é um mundo.
É, segundo o rapaz que
me atendeu, o maior ginásio da Europa. Imaginem agora o impacto que não tem ao
nível das restantes salas de desporto da capital.
É só vantagens: e de
facto, não falta ali nada embora eu dificilmente me visse a frequentar aquele tipo de
espaço. Mas o que me apetece aqui
destacar daquela visita é o mecanismo comercial que lhe subjaz. É muito fácil
começarmos a esquecer quais as nossas necessidades de origem para orientarmos a
nossa escolha para subprodutos da oferta. São tantas as alternativas que 65 euros por
mês para um acesso ilimitado quase que parece uma pechincha.
A
questão é que se entramos com uma ideia do que necessitamos para sair com
outra, há algo aqui que deve ser questionado. É este frente-a-frente entre a cultura do livre-arbítrio
e a do livre-trânsito que me parece questionável por esta segunda se ter
tornado uma imagem de marca da nossa época.
Observem o boom dos menus na restauração: paga-se dez euros e come-se à discrição ou paga-se mais
quinze e fala-se em ilimitado ao telemóvel. E com sorte ainda conseguem ir
passar férias para dentro de um aldeamento all
inclusive. Tanta ilimitação que
quase nos esqueceríamos que só temos uma boca e dois olhos. Quanto menos nos
reportarmos a um “eu” ou a um “nós”, cujas necessidades balizadas estão na origem
de um bem estar construído, mais facilmente nos deixaremos levar por estes
carrosséis dos saldos.
A liberdade, o silêncio,
o vazio, a sinceridade são hoje bens muito escassos e valiosos. Quase que se torna
épico pensar e viver por si só.
E quando isso teima
em acontecer, surgem os arautos do jackpot: é fácil, só tens de vender e
divulgar nas redes sociais: é os multiníveis, as herbalife, os banners broker
que prometem fazer nascer a árvore das patacas em qualquer quintalinho. Só tens de
alugar a tua credibilidade e convencê-los.
Mas olhemos uns para
os outros; olhemos para as clientelas ensimesmadas;
olhemos para os clientes enfartados de dose dupla de arroz à valenciana; olhemos para todos estes trabalhadores precários
induzidos a viverem de comissões miseráveis... que é que veem?
Eu vejo pessoas que
procuram no consumo um reduto de poder pessoal.
Será que esta racionalização das ofertas serve assim tão bem os supostos interesses dos públicos?
À força de quererem
afastar o desconhecido e o imprevisto será que os consumidores conseguem essa tal
tranquilidade?
Nunca dantes como
hoje a natureza humana tanto temeu o vazio, a imprevisibilidade das coisas e as
noites ao relento.
Muitos acharão que
estou aqui a fazer pontes onde elas não existem; que as pessoas continuam
livres de viver de fora desses condomínios fechados e que o mercado só lhes
oferece mais oportunidades de escolha. Aliás, essa é a nova palavra mágica: a escolha.
A questão é que para
poder escolher é preciso perspectiva. E
há fortes probabilidades para que entre um mesmo caminho a subir ou a descer,
que a escolha se confunda com a tentação, principalmente para os mais mal
calçados.