quinta-feira, 7 de março de 2013

A carne


Expliquem-me…

É papéis de parede com florestas encantadas cheias de coelhinhos, edredons com porquinhos, ursinhos de peluches, a fauna Walt Disney na tv para não falar dos contos infantis…

Pois se tudo é feito para que desde pequenos tenhamos afecto pelos animais porque será que a nossa sociedade, por detrás dos bosques das fadas, trata tão mal os seus animais; ou melhor, o que é que faz com que acarinhemos (tanto) certos animais ditos domésticos e usemos outros como simples bifes quadrados devidamente embalados a vácuo.  Será que um cão é assim tão diferente do porco ou da lebre?; será que é a esse nível que se coloca o debate?

Com que grau de consciência ou inconsciência é que consumimos carne?, quantos de nós querem saber o que se esconde por detrás daquela carne grelhada aparentemente tão apetitosa?

Eis o convite que vos dirijo… Quem quiser ficar neste registo, pois que interrompa a leitura deste post por aqui porque aquilo que se segue é um pequeno apanhado da realidade que o consumo da carne implica.

Primeiro é bom recordar que a suposta vida dos animais que acabam no tacho resume-se, no que toca às agro-indústrias, a uma sobrevivência amontoada em armazéns onde são engordados antes de seguirem em condições idênticas para unidades de abate comparáveis a campos de concentração.

Aproveito aqui para chamar a atenção dos vegetarianos já que esta tortura é comparável à sofrida pelas vacas leiteiras “industriais” cuja vida se resume a serem inseminadas e a produzirem leite; razão pela qual a maioria das vacas sobreexploradas acaba, passado uns bons seis ou sete anos de leais serviços, absolutamente exaurida e com tetas liquefeitas; isto para não falar das galinhas de aviário que vivem em média num espaço equivalente a uma folha A4.

Num campo mais económico, também interessa não esquecer que três quartos dos campos agrícolas mundiais servem para alimentar a indústria da carne: ou para que os animais pastem ou para garantir a sua alimentação. Uma realidade absolutamente incompatível com o crescimento demográfico e com questões ambientais. Note-se que se todo o mundo - hoje “somente” sete mil milhões de pessoas - decidisse adoptar padrões de consumo idênticos aos da Europa, seriam necessários dois planetas; três se nos compararmos aos Estados Unidos.

Ainda neste registo, diga-se que a criação de gado é responsável por vinte por cento das emissões de CO2, ou seja, mais do que o equivalente ao tráfego automóvel.

Noutra perspectiva, um  quilo de carne requer a montante a água correspondente a um ano de duches: num quilo de carne de vaca, existe o equivalente a quinze toneladas e meia de água...

Deixo por aqui o registo dos números. À margem das análises de saúde pública, de impacto ambiental ou económico interessa não esquecer que os animais são seres vivos e sensíveis. A etologia – ciência que estuda os comportamentos animais – não deixa espaço para dúvidas. Não podemos hoje fingir que não sabemos que os animais sentem muito mais do que aquilo em que nos daria jeito acreditar. Não se trata de saber se são mais ou menos inteligentes mas sim se sofrem: tratá-los e matá-los de forma bárbara é inadmissível.

Mais do que amar os animais interessa hoje respeitá-los até porque, afinal, o que é que nos separa dos restantes animais? 

A guilhotina?


Di passaggio

Num mesmo país, a escassos dias de diferença, o papa Bento XVI vira costas à eternidade e ao supremo enquanto os eleitores elegem, pela primeira vez, um terço de deputados sem passado político e oriundos da chamada sociedade civil…


Tempos difíceis para os patriarcas deste mundo


sexta-feira, 1 de março de 2013

A Gazela e o Leopardo


Se pudéssemos regressar até à origem dos tempos, qual seria a probabilidade de me estar a ler neste momento?, neste preciso momento e neste mesmo sítio?

Praticamente inexistente: eis a resposta.

Uma resposta idêntica caso lhe perguntasse qual a hipótese da vida surgir na terra. A vida é quase sempre um processo milagroso embebido de muito acaso e mistério.

Perante este retrato do mundo, que vai da célula ao ecossistema, apetece-me aqui questionar a nossa dificuldade em aceitar o acaso nas nossas vidas; e isso, apesar dele ser diariamente omnipresente.

Uma pequena viagem histórica recordar-nos-á que antes da teoria da Evolução de Darwin, datada de 1859, o principio era o da finalidade entrópica, ou seja que o mundo existia para que o ser humano o desvendasse. (Um princípio que ainda hoje serve as teorias nunianas e aldinianas)

Então mas o que é que as teorias de Darwin nos trouxeram?

Além de instaurarem um novo paradigma científico, a teoria da evolução das espécies introduz-nos à necessidade de haver diversidade numa primeira fase para poder haver, num segundo momento, um processo de selecção natural; querendo isso dizer que para que haja vida é sempre preciso que haja diversidade.

Não há cosmos que não nasça da organização dum caos: se entrarmos numa floresta, aquilo que se parece com uma alegre confusão é na verdade o melhor garante da vida.

E perante essa leitura científica, apetece-me questionar por que é que passamos a vida a querer enxotar o acaso?

Ter-nos-emos tornado homens-coisas regidos pelas leis da técnica onde só vale o que puder ser replicado e gerar alguma previsibilidade?

É que se assim for é o suicídio de toda uma espécie que estamos a assinar com as nossas vidas.

Esta reflexão nasceu-me dum documentário sobre a vida selvagem: sabiam que, fruto da selecção natural, as gazelas têm transmitido uma nova forma de fugir do leopardo?

Como é que fazem?

Pois já que não conseguem correr mais rápido, inventaram uma espécie de dança que é simplesmente o mais aleatória possível. Quanto menos for antecipável o trajecto da gazela, maiores são as suas hipóteses de fuga e sobrevivência. Diga-se que estamos sempre aqui a falar de hipóteses muito remotas.

E o bom da coisa é que, nós humanos, também temos excelentes formas de convocar esse acaso nas nossas vidas. Uma delas é o amor; outra o sexo: “uma máquina extraordinária de produção de diversidade”, nas palavras de François Jacob. Tudo ali se mistura, divide e reprograma.

Não duvidem que se a vida se soube aguentar nesta terra por mais de 3500 milhões de anos é precisamente porque a vida é uma fonte inesgotável de diversidade e surpresas.


quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

My name is Ric: Hen Ric


Como te chamas?

Eis a questão tronco e basilar de onde muitas relações nascem.

Mas a resposta esconde por vezes pesadas heranças.  Por algum motivo decidi ser aqui o Henrique Shiuu.

Se sempre olhei para o apelido como um puro produto de uma cultura patrimonial,  espantou-me saber que só em 1911, com a implantação do registo civil, tenha surgido a obrigatoriedade hereditária do nome quando até aí as alcunhas rivalizavam com os nomes ancestrais. Repare-se que até ao século XVII nem sequer a família real dispunha de apelido.

Note-se que ainda hoje, se muitos lutam pelo direito ao casamento, poucos manifestam a necessidade de união dos nomes após o matrimónio. Uma realidade que tanto afecta casais hetero como homossexuais.

Concluo que vivemos numa época em que nada se sobrepõe ao direito de escolha individual. Algo que me parecia profundamente fracturante face a modelos tradicionais mas que na verdade não o é.
Desde a sua génese que o apelido tem uma função fundamentalmente totémica que visa proibir o incesto e garantir um culto aos mortos.  

Toda a restante carga cultural que poderá fazer dum apelido uma herança, em contraste com o nome que nos foi dado - importante sublinhar o facto de se tratar de uma dádiva – é na verdade uma opção consentida.

Nestas questões de nomes, um exemplo toca-me mais do que outros: o de Van Gogh; o artista que assinava os quadros com Vincent; que recusara por inteiro a função filial do nome embora tivesse partilhado o grosso da sua vida com o irmão; o pintor que nunca vendera em vida um único quadro: por detrás do nome de Van Gogh, qual o legado que ficou?