terça-feira, 27 de novembro de 2012

All inclusive


Fui ontem visitar as instalações do novo ginásio virgin, ali no centro de Lisboa: é um mundo.

É, segundo o rapaz que me atendeu, o maior ginásio da Europa. Imaginem agora o impacto que não tem ao nível das restantes salas de desporto da capital.

É só vantagens: e de facto, não falta ali nada embora eu dificilmente me visse a frequentar aquele tipo de espaço.  Mas o que me apetece aqui destacar daquela visita é o mecanismo comercial que lhe subjaz. É muito fácil começarmos a esquecer quais as nossas necessidades de origem para orientarmos a nossa escolha para subprodutos da oferta. São tantas as alternativas que 65 euros por mês para um acesso ilimitado quase que parece uma pechincha.  

A questão é que se entramos com uma ideia do que necessitamos para sair com outra, há algo aqui que deve ser questionado. É este frente-a-frente entre a cultura do livre-arbítrio e a do livre-trânsito que me parece questionável por esta segunda se ter tornado uma imagem de marca da nossa época.

Observem o boom dos menus na restauração: paga-se dez euros e come-se à discrição ou paga-se mais quinze e fala-se em ilimitado ao telemóvel. E com sorte ainda conseguem ir passar férias para dentro de um aldeamento all inclusive.  Tanta ilimitação que quase nos esqueceríamos que só temos uma boca e dois olhos. Quanto menos nos reportarmos a um “eu” ou a um “nós”, cujas necessidades balizadas estão na origem de um bem estar construído, mais facilmente nos deixaremos levar por estes carrosséis dos saldos.

A liberdade, o silêncio, o vazio, a sinceridade são hoje bens muito escassos e valiosos. Quase que se torna épico pensar e viver por si só.

E quando isso teima em acontecer, surgem os arautos do jackpot: é fácil, só tens de vender e divulgar nas redes sociais: é os multiníveis, as herbalife, os banners broker que prometem fazer nascer a árvore das patacas em qualquer quintalinho. Só tens de alugar a tua credibilidade e convencê-los.

Mas olhemos uns para os outros; olhemos para as clientelas ensimesmadas; olhemos para os clientes enfartados de dose dupla de arroz à valenciana; olhemos para todos estes trabalhadores precários induzidos a viverem de comissões miseráveis... que é que veem?

Eu vejo pessoas que procuram no consumo um reduto de poder pessoal.

Será que esta racionalização das ofertas serve assim tão bem os supostos interesses dos públicos?

À força de quererem afastar o desconhecido e o imprevisto será que os consumidores conseguem essa tal tranquilidade?

Nunca dantes como hoje a natureza humana tanto temeu o vazio, a imprevisibilidade das coisas e as noites ao relento.

Muitos acharão que estou aqui a fazer pontes onde elas não existem; que as pessoas continuam livres de viver de fora desses condomínios fechados e que o mercado só lhes oferece mais oportunidades de escolha. Aliás, essa é a nova palavra mágica: a escolha.

A questão é que para poder escolher é preciso perspectiva.  E há fortes probabilidades para que entre um mesmo caminho a subir ou a descer, que a escolha se confunda com a tentação, principalmente para os mais mal calçados. 

2 comentários:

  1. Este é um assunto que me toca particularmente e, no teu texto, li as palavras que nunca soube dizer para justificar as minhas escolhas profissionais tão fechadas ou radicais. Obrigado pelas ideias em palavras!

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    1. Em tempos tão invertebrados não há que temer escolhas radicais. A verdade é que se não fossem essas tuas escolhas já estaria feito fadista de mão na lombar. Obrigado eu :)

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