sábado, 25 de agosto de 2012

Intróito


É sábado à noite. Estou sozinho no quarto a ler ; Fernando Pessoa; o Livro do Desassossego... Conforta-me; sinto que me enobrece; que este simples acto de ler um livro um sábado à noite equivale a  beber um copo de água...

Mas por detrás da candura desta imagem esconde-se algo mais sombrio. Algo que o silêncio que me rodeia materializa: estou só... E eu estou só contrapõe-se a um sem fim de ideias: a esta hora, os outros estão acompanhados; fazem coisas; partilham; vivem... Enquanto isso, eu, estou aqui; só.

Por mais que me sinta lavadinho por dentro com o tal copo de água, não deixo de sentir este complexo: é deplorável estar só. É um acto de bastardia social. Resta que este é, seguramente, um dos principais medos dos meus contemporâneos. O medo de estar só. Logo quando metade da população das grandes cidades vive, precisamente, sozinha.

Assim estamos nós, pendurados à janela a ver quem passa, no Wall da rede social azul.  Vale tudo; vale tudo para não pensar neste e nos outros vazios que nos habitam e que habitamos. 

A verdade é que no meio de tudo isso, o livro torna-se um objecto estranho mas terapêutico. Tenho dialogado muito com os  livros nestes últimos dias. Tenho me rodeado das lombadas fechadas de uma  Biblioteca Municipal e tenho sentido um estanho conforto por detrás dessas muralhas. É o conforto de sentir que tenho ali um série de pessoas com coisas para me dizer e sem esperar respostas ou likes em troca.

Vá lá que já passei da lombada às páginas mas tem custado. É estranho. Quando mais novo, o livro era um hábito. O tal copo de água mas com açúcar. E não sei porquê,  o doce foi se dissipando.  Fui-lhe preferindo a efervescência da interactividade; das frases curtas; da cultura pelicular.... e a coisa foi mesmo ficando pelicular. Sinto que a coisa progrediu para o reino das sensações. 

Tanta sensação que deixei de saber lidar com o que está por detrás da película; é tão mais fácil ceder à permanente tentação do botão; do entretenimento.  Mas ao mesmo tempo, a verdade é que esta crescente consciência de que só existimos quando interagimos, também gera ansiedade. “To be is to e seen”, dizia o nosso flatman.

Mas da mesma forma como sabe bem estar rodeado das palavras gratuitas dos outros também sabe bem falar, sem me preocupar de uma possível leitura. Sim, porque afinal, este não é o panfleto que assina o meu suicídio social. É o momento em que me proponho baixar esta quarta parede; desligar o foco e deixar de pensar que o outro é aquela luz branca inquisidora.

Já estou farto de escrever, mas vou assinar este texto com um simples “A vida é estranha” que não me apetece explicar. E sim, desta vez, vou publicar este texto.


2 comentários:

  1. Henrique, confesso que quando encontrei o teu blogue, encontrei também outro, não sei porquê, li o outro e este ficou à minha espera, até hoje. Houve alguns textos que passei apenas na diagonal, outros em que saltei partes, pois também já estou muito cansada para me concentrar, mas devo dizer-te que só não comentei alguns textos, porque senti que não devia "intrometer-me", se é que com a leitura já não o fiz, enfim... Tens aqui "posts" que senti mesmo. Deves entender o que estou a dizer muito melhor que eu Estou aqui a pensar, que está na altura de publicar aquele post adiado que tão profundamente senti quando o escrevi. Obrigada pela partilha, mesmo. Ainda bem que decidiste escrever este blogue. :)

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  2. Obrigado pelo feed-back e pela amizade, Até breve

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