domingo, 26 de agosto de 2012

O Caderno em branco


Se no meu intróito, partilhei que as muralhas de livros me protegiam de algo e transmitiam o conforto da permanência, devo aqui acrescentar que tenho um fetiche por cadernos:  o caderno de capa rija sem linhas e o lápis: arma letal mas reversível.

Acho que o meu apego ao caderno tem que ver com o meu gosto da página em branco: agrada-me ter debaixo do braço o dito caderno aquando as minhas deambulações de fim de tarde; transforma uma simples saída numa caça misteriosa ao pormenor; mas esta página que regressa com frequência tão branca quanto partiu, não deixa também de ser a metáfora de alguma inacção.

Da mesma forma como alguns acham que a juventude se pauta por um mundo de ideais que se evaporam na prática adulta, eu acho que temo beijar o sapo e lidar com a falta de metamorfose; de certa forma é como se manter as coisas no plano das ideias e dos desejos, lhes mantivesse o brilho de um amanhã diferente; um amanhã em que tudo é possível; sem concessões à finitude dos recursos que fazem de mim um simples homem.

Assim, aos 38 anos, continuo sem reais certezas: nem do que sou; nem do que quero; tanto me imagino jornalista como empreendedor; tanto com um barbudão como uma musa salgada... E se tudo isso permite alguma frescura no pensamento por recusar estatutos e molduras, não deixa de se traduzir numa página branca frustrante.

Porque, no entretanto, os anos passam; os actos assumem-se e sedimentam-se; e o ideais mantêm-se feitos estrelas observadoras da nossa pequenez. E devo dizê-lo, estou a ser resgatado pelo meu próprio jogo. De repente, essa imagem lírica de um bem-falante bem-pensante em margem do mundo tornou-se insuportável. Dou por mim a imaginar-me em homem do campo; homem prático que forja a substância das suas palavras em acções quotidianas... talvez essa seja uma reacção extrema a outro extremo.

Isso, para não falar de outro aspecto que dói: o do dinheiro: por força de tão parco investimento real nas acções de um quotidiano, deixei-me deslizar para uma certa precariedade romântica. Vivo com pouco dinheiro. E se, até certo ponto,  esta é uma boa escola também é certo que faz da minha vida uma espécie de prisão domiciliária.

Quero, por isso, saltar a pés juntos para algo de novo. Quero, preencher as páginas da agenda sem temer a simples ideia do compromisso; quero ir rabiscando por aqui e pelo meu caderno vagabundo algumas ideias. É aliás estranho que precise de pôr online o fruto destas elucubrações para me emancipar de uma inconsciente necessidade de reconhecimento.

Estou-me a esforçar para esquecer que me possam ler; estou-me a esforçar para fazer as coisas por mim.

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