Regressei a casa após uma temporada
imposta. Na verdade, só me apetecia
casulo, intimidade, fechar-me, não ter de explicar nada a ninguém: nem porque
sim nem porque não. Estar e fazer, era o que me apetecia.
Nisso chegaste tu: minha amiga de sempre. Era
suposto ser um prazer ter-te por perto.
Era suposto termos o prazer de falarmos; partilharmos; criarmos memórias
futuras... E isso lá foi acontecendo. Mas tirado a ferros e a que preço. Já não
estávamos juntos há um ano e sei que tu tens o prazer e o hábito de abrir as
portas de casa; abrir o peito; partilhar o tempo livre; para não falar de um
quotidiano feito de dádivas constantes: do teu pai ao teu filho. E digo-te, com
toda a sinceridade: admiro-te. Admiro essa tua alteridade, essa tua
generosidade e essa tua necessidade de partilha para dares sentido a esta
travessia do tempo.
Admiro mas eu não sou assim. Noto que não sou
só eu; noto que os meus conterrâneos da cidade partilham comigo essa cultura da
gaveta e do casulo. E sei que Lisboa é
nesse sentido um capital de província porque quanto maior a cidade em que tu
vives mais planeado é o teu quotidiano e mais o estar espontaneamente com
amigos e afins passa a ser visto como a usurpação de um espaço de liberdade e
improviso.
Mas repito: eu não sou assim. E sinto-me mal
por não ser assim porque gosto de ti. Gosto de ti hoje: da pessoa que és; gosto
da pessoa que foste; gosto da nossa
amizade, mas o eu não ser assim significa que não partilho tamanha
necessidade de me fundir intimamente naqueles que amo Sei teoricamente que deveria fazer um esforço
e ir beber à tua fonte. Já há muitos anos que o sei e já há muitos anos que
coloco o “aprende a dar-te mais” no topo das boas resoluções da rentrée.
Mas do saber ao fazer vai uma pequena distância.
E essa distância sou eu. Neste como noutros campos.
E isso coloca-me face a uma série de dilemas. Um deles é o eu não me autorizar a dizer que não: Não, Catarina, não me venhas visitar. Apetece-me estar só. Neste momento não saberei ser bom amigo além de que preciso de algum espaço... Esta frase é aliás um dos ex libris com que fiquei recordado no seio de um grupo de amigos. Preciso do meu espaço.... Faz me sorrir recordar esta frase e os sucessivos contextos em que a fui repetindo.
E aqui estou eu, de novo, a precisar do meu
espaço.
Podes me perguntar para quê tanto espaço: e
sei que na verdade a resposta mais cedo ou mais tarde implicará nomes de
pessoas. Por isso essa teoria tem os seus limites. Mas também te posso dizer
que depois do café que bebemos ali no jardim antes do abraço da despedida, vim
para casa, e comecei até agora a encher sacos. Fui ali depositar ao ecoponto
azul seguramente uma boa dúzia de Expressos. Peguei em canecas,
electrodomésticos, roupas, livros e enfiei tudo em sacos: os sacos foram para
caixas e as caixas estão aqui, ao meu lado á espera de serem levadas para fora
daqui ao final do dia.
Também lavei roupa, desfiz a cama; pus tudo a
lavar; mas mantive as cortinas fechadas; o telefone tocou e não atendi; o
homem do gás tocou à campainha e não abri... Estava mesmo a precisar disto,
catano... Estava mesmo a precisar de drenar algo: e fazê-lo sozinho: e ainda
vou precisar de muitos mais momentos desses.
Quase que poderia intitular este desabafo de as
coisas que nunca te disse. Fica a dúvida se alguma vez as saberei dizer ou se
devo sequer fazê-lo. Quiçá deva aprender a domar algum egoísmo e aprender a sair deste “mundinho” do eu: eu
as minhas coisas; os meus tarecos; os meus medos; os meus projectos, as minhas
necessidades.... Em que raio de bicho me
estarei eu a tornar, afinal?
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