Tenho 38 anos – e não 37 como digo nos sites
de engate – e faz hoje cinco dias, que fiz o meu coming out. Uma cena
alegadamente comum e previsível, mas que demorou muito; muito a chegar.
Portanto o pitch é de facto banal... Íamos no
carro e do nada, como um arroto – sim, porque tenho andado com a garganta
salgada por um fim amoroso – saiu-me: assim, sem pensar: “mãe, há tantas coisas
na minha vida que tu desconheces e que gostava de poder partilhar contigo....”
Seguiu-se um respirar fundo do outro lado a que eu respondi “Acabo há duas semanas uma relação de três anos com o Nuno (...)”
... não fora uma surpresa. Já há muito que
sabia, que sentia mas como me viria a dizer passado uns dias – sim porque
naquele dia a conversa não durou mais de dez minutos antes de rumar para
destinos mais triviais – já lhe passara
pela cabeça mas nessas alturas preferia sacudir essa ideia do pensamento como
que para afugentar um azar. Não impede que as palavras que se seguiram ao meu
coming out – nos tais dez minutos –
tenham sido palavras de amor e carinho. Retenho muito especialmente esta: “és o
filho que eu tenho; és o filho que eu amo e nada do que me estás a dizer altera
num milímetro que seja o amor que tenho por ti”.
Foi bom; foi bom ouvi-lo tal como foi bom
dizê-lo.
No entanto, não foi aquela catarse que me
vinha sendo prometida pelo Nuno e pelo gang da luz fluorescente. E não foi,
precisamente, porque aquele instante não marcou nenhuma surpresa. Porque sim, a
minha mãe – tal como o meu pai aliás – sabia;
eu sabia que eles sabiam; e eles sabiam que eu sabia ... Sabia-se.
Sabia-se mas não se dizia. E isso conduz-me ao seguinte parêntesis
cinematográfico: os filmes do Pedro Almodôvar. Filmes em que a mulher do sul, a
matriarca forte e discreta sabe sempre tudo mas age como se não soubesse de
nada. Prefere deixar a rua, a arena da palavra dizível, essa mesma em que se
exibem os “orgulhos”; prefere deixá-la aos homens... E confesso que sempre
gostei desse lado oculto das coisas. Desses bastidores em que a verdade se
esconde; porque não sei se o papel da palavra é o de exprimir as verdades; nem
sei se a intimidade é algo que devemos partilhar fora do contexto da sua
partilha; não sei... A penumbra pode, por vezes, ser tão mais poética e
respeitadora do ser humano do que esta avalanche de luz...
E portanto foi este o tsunami que se operou
naquele momento entre a minha mãe e eu: é o fim de uma linhagem de meias
palavras; o fim de um acordo tácito. Não sei, ao certo que vai mudar entre nós
a partir deste momento. Mas nem que seja só por um facto, já valeu a pena: é o
poder incluir a minha mãe na minha vida. Não ter de me esconder e de a querer
manter afastada deste lado da minha existência. É também livrar me da noção de omissão; de
pecado... porque desde que me descobri homossexual, que isso sempre passou por
um prazer ligado à adrenalina; não é por nada que os espaços de cultura gay são
por norma espaços da periferia; espaços em que o código erótico passa muito especialmente por aquilo que se esconde.
É bom, aí também, ser capaz de reinventar um
novo campo de expressão quiçá mais profundo. Pode ser
que este coming out me liberte dos meus maniqueísmos e me ofereça uma perspectiva mais integradora da vida.
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