Se no meu intróito, partilhei que as muralhas
de livros me protegiam de algo e transmitiam o conforto da permanência, devo
aqui acrescentar que tenho um fetiche por cadernos: o caderno de capa rija sem linhas e o lápis: arma letal mas reversível.
Acho que o meu apego ao caderno tem que ver com
o meu gosto da página em branco: agrada-me ter debaixo do braço o dito caderno
aquando as minhas deambulações de fim de tarde; transforma uma simples saída
numa caça misteriosa ao pormenor; mas esta página que regressa com frequência
tão branca quanto partiu, não deixa também de ser a metáfora de alguma inacção.
Da mesma forma como alguns acham que a
juventude se pauta por um mundo de ideais que se evaporam na prática adulta, eu
acho que temo beijar o sapo e lidar com a falta de metamorfose; de certa forma
é como se manter as coisas no plano das ideias e dos desejos, lhes mantivesse o
brilho de um amanhã diferente; um amanhã em que tudo é possível; sem concessões
à finitude dos recursos que fazem de mim um simples homem.
Assim, aos 38 anos, continuo sem reais
certezas: nem do que sou; nem do que quero; tanto me imagino jornalista como
empreendedor; tanto com um barbudão como uma musa salgada... E se tudo isso
permite alguma frescura no pensamento por recusar estatutos e molduras, não
deixa de se traduzir numa página branca frustrante.
Porque, no entretanto, os anos passam; os
actos assumem-se e sedimentam-se; e o ideais mantêm-se feitos estrelas
observadoras da nossa pequenez. E devo dizê-lo, estou a ser resgatado pelo meu
próprio jogo. De repente, essa imagem lírica de um bem-falante bem-pensante em
margem do mundo tornou-se insuportável. Dou por mim a imaginar-me em homem do
campo; homem prático que forja a substância das suas palavras em acções
quotidianas... talvez essa seja uma reacção extrema a outro extremo.
Isso, para não falar de outro aspecto que dói:
o do dinheiro: por força de tão parco investimento real nas acções de um
quotidiano, deixei-me deslizar para uma certa precariedade romântica. Vivo com
pouco dinheiro. E se, até certo ponto,
esta é uma boa escola também é certo que faz da minha vida uma espécie
de prisão domiciliária.
Quero, por isso, saltar a pés juntos para algo
de novo. Quero, preencher as páginas da agenda sem temer a simples ideia do
compromisso; quero ir rabiscando por aqui e pelo meu caderno vagabundo algumas
ideias. É aliás estranho que precise de pôr online o fruto destas elucubrações
para me emancipar de uma inconsciente necessidade de reconhecimento.
Estou-me a esforçar para esquecer que me
possam ler; estou-me a esforçar para fazer as coisas por mim.
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