Se estou aqui a teclar com este alter ego
virtual, é porque deixei de poder falar contigo. Há quase quatro semanas que
acabámos, como se diz na gíria.
Foram três anos que ali, de um comum acordo, acabaram. Chegámos à
conclusão que esta relação, nos moldes em que vinha funcionando, já não se
justificava.
Da minha parte, vinha-me queixando da tua
crescente indisponibilidade. Não bastava passares doze horas por dia no teu
estúdio; passares pelo menos um em cada dois fins-de-semana a trabalhar; quando
estavas por casa, preferires ler, pesquisar e escrever a momentos de simples
partilha; e agora para o fim, se acaso fossemos à praia, abrias o primeiro livro que te viesse parar
às mãos e largava-lo na hora da partida... Era notória essa tua pouca vontade
de fruir de mim.
Causa ou consequência disso tudo, confessei-te ter tido umas aventuras
recentes. Pedi-te que tentássemos repovoar o espaço do nós. Pedi-te esforço: E
pedi-te isso, ao que parece, demasiadas vezes. Não me arrependo de o ter feito, porque não
faz sentido para mim uma relação resumir-se à partilha de meiguices piegas e de
bocejos. Haja tesão; curiosidade; palavra; vontades; surpresas... Haja vida, porra!
Mas não, em vez dos tais esforços, sentiste-te
acossado; sentiste que te estava a pedir um tempo que preferias dar ao teu
trabalho; ao teu projecto; à tua posteridade; sim, porque estava visto que a
minha posteridade estava no lodo: estava visto que o Henrique não era, a bem
dizer, bankable. É pena, o rapaz até
que poderia se um bom partido, mas basta de três anos a partilhar a vida de um
precário. Há que limpar o carma. Ala, daqui para fora...
... No dia de hoje – dia em que ao termo de
quase quatro semanas, vieste recuperar os sacos com as tuas coisas que tive
ontem que arrumar por ti – olho para trás e sinto-me sinceramente triste. Muito
salgado por dentro mas sem saudades desse passado.
És um pessoa especial. E talvez pela primeira
vez, sinto uma tristeza que tem que ver com a pessoa que perdi mais do que com
uma qualquer questão de ego (embora possa aqui parecer o contrário). Sei hoje
que te amei. Quiçá demasiado. Penso hoje que não querias tanto de mim. Preferias menos emoção; menos intensidade; menos exigências. E eu inversamente
queria mais de ti: mais tempo; mais vontade, mais prazer... E se queres saber,
é aí que se instala a minha maior frustração. É o achar que este desencontro não
era inevitável. É eu achar que se tal como eu que fui beber à tua fonte, e
cresci com isso, também tu poderias, se o tivesses querido, ter crescido com a minha diferença.
... No dia de hoje, sei que não te quero rever
mais. Estou magoado. Essa tua psicologia positiva: querer é
poder; o sucesso atrai o sucesso; o tu veres em mim uma forma de precariedade;
um empecilho para os teus sonhos; um retórico lírico; um loser; o nunca me teres deixado ser-te útil com medo que eu te
pedisse ajuda em troca... Tudo isso, faz com que pudesse com facilidade sair
daqui muito debilitado do peito. E sim, estou de peito rachado, mas de peito
inteiro; tal como inteira se mantem a minha visão da vida a dois...
... No dia de hoje, sei que há uma diferença
entre gostar de alguém e gostar da vida com essa pessoa. Gostei de ti mas não
gostei da vida ao teu lado. Olhando para frente, quero deixar de me sentir
chato por gostar de discutir o sexo dos anjos; deixar de pedinchar tempo e
atenção; quero ver nos olhos de quem adormece comigo, vontades comuns; no fundo, pela
primeira vez, dou hoje por mim a aspirar - num futuro tudo menos próximo – por
alguém mais parecido comigo. Alguém que, entre outras coisas, partilhe a minha curiosidade.
Foi estranha esta
relação: noutros tempos fui eu a ave rara sequiosa de mais liberdade; desta vez, saio destes três
anos em modos de gaiola vazia...
Foste-te embora, com roupa para os próximos
dias; deixaste par trás cacos de um passado tornado inútil; uma gatinha que
trouxeste para aqui...
... Não me apetece epilogar. Nem vou, para
arredondar seja o que for, pintar aqui um lindo quadro de pôr do sol como
auspício de um futuro glorioso. Hoje é um dia salgado para mim. Estou triste. E
quero deixar de o estar.
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