Um tema tem-se vindo imiscuir nas minhas
recentes conversas com amigos: o das ordens profissionais. Desde psicólogos, a
nutricionistas passando por advogados; todos lidam com a necessidade de serem
profissionais certificados.
A priori, o principio parece-me correto: é
legitimo que estas atividades sejam tuteladas e sujeitas a princípios de boa
prática: a dúvida coloca-se mais ao nível da forma como a coisa é feita.
Quem são os mentores dessas ordens
profissionais?; quais os princípios por que se regem?, para que servem as avultadas
cotas pagas a essas recém-formadas ordens?; que contrapartidas oferecem aos
profissionais certificados e, em última análise, ao cliente desse profissional.
Notemos que uma ordem profissional é uma associação
de carácter privado e que tem por objectivo regulamentar um determinado sector
de atividade, favorecendo os interesses dos seus membros: essa defesa pode
passar por uma política de nivelamento das tarifas aplicadas ou pelo controle
do número de profissionais habilitados a exercer. Nada obriga a que as decisões sejam tomadas em
função do bem comum e não à luz dos interesses dos membros.
Uma amiga minha, psicóloga de formação mas que
cumula trabalhos alimentares, queixava-se há dias dos 150 euros que tinha de pagar à ordem a troco de nada. E eu questiono, qual a função social dessa
ordem dos psicólogos senão a de favorecer o encarecimento das tarifas aplicadas
ao cliente fazendo com que profissões liberais se tornem cada vez mais serviços
dirigidos a uma minoria endinheirada.
Porque é que não há a ordem dos taxistas?, dos
operadores de call center? ou dos
operários?
E resta-me questionar: qual o papel do Estado dentro de tudo isso?
Em que medida é que é o garante do interesse
público, funcionando como eventual contra peso aos interesses corporativos das ditas ordens?
É que é bom recordar que o boom das ordens a que se assiste atualmente
resulta duma vontade política; que é lavar as mãos de qualquer responsabilidade
direta ficando com os louros de ter contribuído à organização interna das
fileiras; de certo, que o incremento de alguma fiscalidade associada também
ajuda.
Aliás o Estado é bom nisso: promover parcerias
publico privadas; mandar criar ordens profissionais; no fundo, privatizar a vida económica desde
que não implique custos nem responsabilidades.
Pois eu questiono, se eu for mal atendido por
um médico mal preparado?, se eu for lesado por um advogado pouco escrupuloso?,
se eu for mal aconselhado por um nutricionista?
Além de uma eventual e pouco provável expulsão
da ordem do dito profissional, onde estão salvaguardados os meus interesses
enquanto cidadão e consumidor?
Ah é verdade, tenho a DECO: uma associação
que me obriga a pagar uma mensalidade para poder fruir dos seus serviços.
Ou seja, é muito bonito promover a criação de
ordens numa economia liberalizada mas parece que os nossos representantes políticos
esqueceram-se dum ponto central: é que faz sentido quando o Estado, isento de
interesses particulares, sabe enquadrar e fiscalizar o trabalho dessas
corporações privadas.
Parece-me que a nossa história recente já deu
sinais de sobra do perigo que é um país estar entregue a interesses lobísticos para
que estejamos agora, cheios de pressa, a privatizar o funcionamento de toda a
economia sem acautelar princípios base que salvaguardem o interesse comum.