O dia de ontem acordou envolto numa neblina
O Tejo fora substituído por uma nuvem
Mas lá em cima, reinava um glorioso céu azul
Cumpri o meu ritual e fui em silêncio e sem
pressas a caminho da praia
Estendi a toalha na areia e fiquei ali a olhar
para aquela imensidão azul
Aos meus pés, o mar: forte e pacífico
Passei uma boa hora naquela meditação
contemplativa
Depois levantei-me, sentei-me e arranquei uma
página do meu caderno
Parei, pensei e escrevi tudo o que queria deixar de vez no
ano passado
Foi um exercício estranhamente desconfortável
É mais fácil olhar para a frente e pedir
guloseimas à vida
E depois, descalçei-me e fui ao mar, enterrar
o meu papelinho
Voltei ao pouso, tirei o telefone do bolso e
tirei-me fotografias
Fiz pose: com aquele olhar lateral que eu acho
que me torna felino
Depois olhei para as fotos: apaguei-as quase
todas
O felino saiu-me zarolho
Um dia, hei de aqui voltar para fazer o
meu “les plages d’Henri”, no trilho da Varda
À minha frente estava uma mulher que entrou
vestida para dentro do mar
De braços no ar, numa espécie de cerimonial
catártico
Assustou-me antes de me fazer sorrir
Saí dali mais livre e de peito mais cheio do que
nunca
O dia de ontem foi o agouro de um ano em que
tudo vai ser possível
A esta hora já o meu papelinho se desfez
deixando que novas páginas sejam agora escritas
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