Apetece-me aqui hoje
partilhar algumas das reflexões que serviram de mote às minhas conversas
filosóficas com a minha amiga Erinç... Em causa estavam as teorias do género.
É espantoso como todo
o discurso científico converge no sentido de sublinhar o facto de não haver um saber neutro e de só existirem saberes datados e localizados. Se nos fixarmos na questão do corpo poderemos
aqui citar historiadores como Thomas Laqueur ou John Scott; no campo das ciências ditas exactas, destaca-se a bióloga Anne Fausto Sterling enquanto na
filosofia, a figura de proa é a Judith Butler, autora do Gender Trouble, no qual refere que a sociedade não produz apenas um
discurso sobre o corpo como o próprio corpo em si. Desde o cérebro às hormonas,
tudo é o fruto de uma cultura. Não há forma de extrair uma natureza original, exterior
à cultura; ou seja, nunca se pode autonomizar a biologia sem se cair no
biologismo.
Agora é claro que por
mais que todo o discurso científico, filosófico e até político consubstancie um
novo paradigma quântico, o senso comum continua irremediavelmente arreigado à
dualidade do empirismo. Neste caso, ou se é homem ou se é mulher.
E isso apesar da
actualidade nos brindar diariamente com provas dadas da diversidade que subjaz
à nossa realidade. Vejam o exemplo da atleta sul africana, Caster Semenya,
campeã mundial dos 800 metros, cujas proezas e características físicas levaram o Comité
Olímpico a exigir um teste de feminidade. É interessante reparar que
só quando estão em causa feitos à altura de um homem é que se exige à mulher
que prove a sua identidade.
No âmbito das teorias
que enquadram os intersexuais – outrora chamados hermafroditas – a tónica é
colocada não apenas na diferença como na indiferença. O interessante aqui é
perceber que as características que tipificam um homem e uma mulher nem sempre
se sobrepõem.
Definir o que é um
homem e uma mulher será sempre um processo cultural tanto quanto natural; se noutros
tempos teríamos sociólogos a dizer que tudo é social e biólogos a rematar que
tudo é biológico, temos agora um campo do saber que se abre a todas as
imbricações.
É importante que, como
cidadãos que somos, saibamos estar atentos ao discurso científico e cultural da
nossa época. Lembremo-nos que noutros tempos a terra já foi plana antes de ser
redonda.
Os conceitos a que
estamos hoje agarrados não passam disso: conceitos; criados por pessoas,
empenhadas num determinado momento histórico, em explicar e organizar a vida
dentro de toda a sua assustadora diversidade.
Já agora, acrescento que os dados mais recentes apontam para que 1,7 por cento da população seja intersexual; o que numa cidade de 300 mil pessoas representa cerca de 5000 adultos e crianças; sujeitas a terapias comportamentais, tratamentos hormonais ou simplesmente expostas ao desconforto de uma anormalidade silenciada.
ResponderEliminarAssinale-se também que a Austrália foi até hoje o primeiro e único país a reconhecer o sexo de uma pessoa como "não especificado". Quer isso dizer que, num bilhete de identidade, coloca-se uma destas três opções: masculino, feminino e não especificado.
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