Estive há pouco a ver um documentário
intitulado Neros Guests, que se assume como um manifesto que denuncia a miséria dos pequenos
produtores agrícolas indianos.
Mas o título nasce de um relato imputável ao
historiador romano Tácito que descreve nos seus escritos os incêndios de Roma.
Parece que o Imperador Nero, muito preocupado com alguns rumores
infundados que o acusavam de estar na origem dos incêndios, lembra-se de
organizar um grande banquete para dispersar as atenções. Convidam-se então notáveis,
intelectuais, artistas: toda a fina flor da sociedade romana de então.
Só que há ali um problema: de iluminação...
Os jardins de Nero onde se desenrola a festa carecem de luz que ilumine as
celebrações noturnas. Algo que o imperador terá resolvido com a seguinte solução:
manda vir criminosos e presos para prendê-los a troncos antes de lhes atear
fogo, transformando-os em tochas vivas.
Aquilo que o documentário questiona ao
parafrasear o historiador Tácito, é como é que aqueles ilustres convidados
conseguiam saborear figos, uvas e licores na presença daqueles corpos incandescentes?
Quereremos também nós ser os convidados de
Nero?
Pois à questão do jornalista citado neste Neros Guests, junto a minha: que fará
com que todos, hoje como ontem, consigamos lidar tão facilmente com a miséria
alheia desde que nos saibamos excluídos da mesma?
Será o ser humano assim tão propenso ao bem
como gostamos de achar?
A verdade é que a miséria afasta; tal como a
fraqueza e a fealdade.
Também, no extremo oposto, a opulência, a
força e a beleza atraem.
Porquê associar estes epítetos uns aos outros?
Precisamente por nos termos habituado a vê-los
associados.
Haverá forma ou vontade de fazermos de valores
premiáveis imagens geradoras de desejo e empatia?
Ou será a própria cultura dos ícones que
deveremos combater libertando o homem dos seus instintos mais primários?
Eu confesso que em tempos de relativa precariedade,
não sei se consigo confiar na capacidade do ser humano não ser egoísta e
principalmente vítima dos seus medos.
Eu.
Que faria eu se amanhã me propusessem um
contrato chorudo que pressupusesse alguns “danos colaterais”?
Seremos todos levados, em maior ou menor grau,
a ser os convidados de Nero?
Hummm, dá muito em que pensar!
ResponderEliminarE parece que há também uma "classificação" da miséria alheia que justificar acções. Eu não deixo de acreditar que sim, é possível querermos ser como um Dalai Lama e podermos ter mesmo consideração pelo mais pequeno sofrimento alheio, por muito pequeno que seja.
O estranho é que olhando para a história, vês que o homem é só um homem; perante o medo os reflexos são hoje os mesmos do que os de há 2000 anos. A cultura em nada contribuiu contra isso. E se quisermos ter um retrato ainda mais claro, basta observar as crianças: tanto nos ensinam a partilhar como a empurrar.
ResponderEliminarPois é, parece que nos últimos 2000 anos temos estado a aprender a ser mais humanos. Talvez estejamos num momento de maior amadurecimento e tomada de consciência de 2000 anos de história da humanidade: com mais sensibilidade, maior capacidade de dar, de compaixão, de aceitação da diferenças. Sim, há muita gente e muitos exemplos pelo mundo, ainda hoje em dia, que em nada se encaixam nesta descrição de maturidade mas um grande número (poderei dizer crescente) vai se aproximando mais e mais...
ResponderEliminarQue assim seja, venha esse fim deste mundo então :)
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