Nunca fui entendido
em matéria de futebol e devo dizer que tenho pena; não tanto pelo jogo em si mas mais pelo
tipo de convívio que permite. Serão poucos, hoje em dia, os cenários em que tudo
e todos se misturam e abraçam sem estarem, antes disso, preocupados em saber
quem é aquele vizinho.
É isso o que me
interessa no futebol: é a capacidade primária que tem de pôr um colectivo a
torcer em conjunto por um mesmo objectivo e isso, repito, é algo de valioso.
Bem sei que se nos demorarmos, veremos que a indústria do
futebol encerra em si todos os vícios e mais algum; talvez seja isso que faça
do futebol esse pequeno teatro em que nos revemos: reflete aquilo que somos e queremos ser. Haverá melhor
encenação do que é ser homem, hoje em dia, do que aqueles onze homens em campo?
É suposto ser-se fiel
à equipa, veloz, forte, estratega mas reativo. A isso acresce ainda uma
plástica atlética, dinheiro, juventude e vigor. Que mais pedir ?
Convenhamos que tem
mais graça discutir as proezas daqueles vinte e dois marujos do que daqueles
barrigudos sorumbáticos do parlamento. Porque ao final, estamos a falar do
mesmo. O homem e o poder.
Tanto podemos aqui
falar de futebol ou política como de playstation ou engate. Estamos hoje rodeados de jogos cujos alteregos
têm a função de representar um eu em potência. É que se noutros tempos éramos
pais, vizinhos, amigos, colegas, filhos de Deus ou até eleitores, conseguimos
um a um dessacralizar cada um desses papéis para sermos hoje assolados por uma
realidade assustadora: somos intercambiáveis e a nossa vidinha interessa a
muito pouca gente.
Perante isso, nada
como nos afogarmos num presente edulcorado. Revermo-nos de repente na figura do
Ronaldo permite, nem que seja só durante noventa minutos, sairmos da pequenez comedida das coisas.
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