segunda-feira, 22 de outubro de 2012

A inutilidade do amor


Quando o amor encontra a liberdade.

É um pouco assim que se poderia rebatizar o ensaio da socióloga Eva Ellouz, intitulado Why Love hurts.  O estudo demora-se sobre as mudanças sociais que explicam a crise do amor.

Em traços muito gerais o que é aqui dito é que a visão moderna do amor deixou de incluir uma paixão isenta de reflexão. A relação amorosa expõe hoje o sujeito ao sucesso e ao fracasso dado que o casal deixou de ser aquele parêntesis em que o amante se descarrega do peso da sua existência através do seu amor. Ao mesmo título que na rua ou na empresa, os critérios que hoje validam o interesse de uma relação passam por uma apreciação pragmática que leva ao esvaziamento da definição de paixão.

É pelo menos esta a análise da ensaísta israelita que introduz neste estudo um enquadramento histórico francamente interessante. Não apenas ficamos a saber que a palavra amor nasceu com o cristianismo – um amor monógamo para uma religião monoteísta – como o facto do modelo que agora entra em decadência ser uma herança do romantismo: uma altura em que o amor pautava-se por uma entrega menos calculada e em que o sofrimento, aqui amoroso, assumia a função de ajudar a um reconhecimento pessoal.  Nada a ver com o sofrimento contemporâneo tornado inútil pela era secular, liberal e técnica em que vivemos.

Sofrer não serve hoje para nada a não ser para destruir os alicerces da auto estima.

Um excelente exemplo do ultra pragmatismo a que esta visão não romântica conduziu é o filme Shame do realizador Steve McQueen.  O actor Michael Fassbender encarna um ser que consome numa sexualidade compulsiva a sua incapacidade de amar.  O amor conjugal ou romântico torna-se ali algo de profundamente inútil e sórdido; algo que não encaixa  nos preceitos utilitaristas daquele tipo bem sucedido da cidade financeira.

Depois de ter dessacralizado a devoção à pátria e a militância política, a modernidade celebra agora o fim da entrega amorosa.  É um fim triste que confronta o ser humano aos fundamentos da sua condição.  Tudo está agora por reinventar: deuses, heróis e homens. 

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