quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O baú


Estava há dias a conversar com a Carla,  a minha amiga refinada e espinhosa,  quando surgiu à tona a sua releitura do romance A Insustentável Leveza do Ser.  Já fora graças a uma dessas conversas que lera o ano passado Anna Karenina, e mais uma vez convenceu-me, sem querer, a também eu voltar a ler este romance que pensava já ter lido.  Pois se o li em tempos não o entendi nada.

Mas mais do que o romance em si cuja leitura se encontra em curso é mais neste pressuposto que sempre combati que me apetece aqui perder-me: a ideia de reler um livro já lido; voltar com mais calma a uma cidade já atravessada; voltar a dar tempo a velhos amigos com quem já não partilhamos muito há muito; tudo isso roça na minha cabeça de hiperativo a noção de desperdício.

É aliás uma coisa boa que quem tem filhos e netos acaba por saber muito bem. Viver a vida revivendo-a no outro: mais um primeiro dia de escola; mais um amor e um mundo que ali morre; mais os eu nunca e eu sempre... Tanto ciclo que nos atravessa e que nos esculpe o espírito e as vontades e que só percebemos quando deixamos de ser actor para ser espectador ou narrador.

Mas lá está, sou um rato urbano. Continuo a viver só; a olhar para o futuro como a dupla do Titanic de braços abertos; A ideia de um tempo em espiral quase que me priva de ar.  Até que surge assim um livro, uma conversa, uma memória que me confronta às minhas pressas passadas; àquilo que não soube ver ou saborear.

A verdade é que esses embates devolvem uma liberdade; a de saber que temos em nós uma biblioteca de experiências que poucas vezes sabemos consultar.  Tal como aqui dizia há dias, nem sempre o seguir em frente é a opção mais corajosa ou neste caso proveitosa.




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