terça-feira, 9 de outubro de 2012

A normalidade


É uma coisa para qual a vida adulta nos empurra.  Torna-se insustentável ser uma pessoa diferente. A arte bem que tenta convencer-nos do contrário: de que a diferença é o esqueleto de qualquer ser vivo. Nós também, até que nos esforçamos, de várias formas, para parir esse eu diferente em pequenos casulos amnióticos.

Mas fora desses espaços protegidos, torna-se uma tarefa herculeana aceitar  essa diferença com serenidade. Digamos que a mesma fica bem desde que haja por detrás um sistema de suporte sólido; seja ele económico ou social.  Agora a diferença sem rede; aquele que se exibe por vezes com violência; essa não tem nada de glamour nem new age.

E se me demoro nessas considerações é que fui ontem a uma consulta no Hospital Júlio de Matos. Fui à consulta de Hiperactividade Adulta. Foi-me dado uma receita para adquirir Ritalina. Passei parte do serão a ler coisas na net acerca da ritalina: Havia ali muito discurso “anti” por a mesma ser habitualmente ministrada a crianças hiperactivas e achar-se que aquilo era uma espécie de lobotomia: sinais de uma sociedade doente, ao ver de muitos.

Portanto aqui estou eu, nas minhas primeiras horas deste admirável mundo novo sob o efeito do psicotrópico. E devo confessar que estou bastante confortável. Volto a sentir a sensação de controlo; sair deste buraco negro de apetências e pulsões. Sinto abrirem-se a mim as portas de um dia-a-dia adulto e mais responsável.

É claro que numa perspectiva filosófica, me junto aos detratores desta sociedade que me levou a ver na minha diferença um defeito. Mas os factos são esses: não há na minha vida espaço para mais diletantismo; tornou-se sofrível este ser folha à tona da água; essa vida de reformado sorvedoura de energias e sonhos.

Passei muitos anos a cuidar de uma ramagem virada para o céu; quero agora regar as raízes e o tronco.  É isso, árdua tarefa esta agora de virar a árvore e fazer dos ramos raízes.

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