terça-feira, 30 de outubro de 2012

A terceira mão


Da mesma forma como o carro foi o ícone do fim do século passado, eu diria que o melhor símbolo do hoje seria o iphone.

Sim, sei que me refiro a uma ínfima minoria mundial mas que não deixa de condensar muitos dos aspectos que tipificam a época.

Já vos ocorreu questionar o que é que ficará na história como imagem marcante deste início de século?

Pois eu acho, como já aqui disse e redisse, que a aceleração do tempo e fragmentação do espaço são dos aspectos que mais alteraram o nosso quotidiano. Fazer uma coisa de cada vez, passou a ser um luxo para os fins de semana.  Para quê estar só aqui quando se pode ao mesmo tempo cuscar num ápice a caixa mail ou o facebook?

A verdade é que se me roubassem hoje o meu iphone, acederiam a um conjunto de dados e hábitos bastante pessoal. Acordo com ele, ou seja com uma pré-selecção de rádios e músicas que já se tornaram íntimas das minhas manhãs; gravo uma série de coisas ao longo do dia: o shazam imortaliza aquela melodia; a câmara aquele pormenor; o bloco de notas aquela ideia fugidia... Não há como contestá-lo: é prático.

É claro, para aqueles que me conhecem, que vem aí um mas...

Mas... Sem aqui querer alimentar nenhuma visão essencialista do homem puro também não quero tornar-me o apêndice desta terceira mão. É que com muita facilidade, deixamos que este conjunto prático de acessórios se substitua a outras vontades ou necessidades. É muito fácil, em nome dessa mesma facilidade, cair numa relação acrítica e passiva face a esta constante interação. Revejo no iphone e nessa sublimação da multiplicidade interativa uma das melhores caricaturas do ser homem em 2012.

O problema é que esse mesmo homem tornou-se um aglomerado de angústias; este sentir que a vida é um carrossel imparável do qual é cada vez mais difícil sair; a liberdade ser um conceito cada vez mais abstracto e balizado.

Eu falo na condição de uma espécie de “flâneur à la Baudelaire” ou seja de um ser meio bastardo que vive em margem das coisas e por isso não me sinto totalmente apanhado nessa dança.  Até me digladio muitas vezes para entrar no carrossel da vida adulta. E, por isso, sei que este cenário semi-aditivo que imputo à terceira mão é questionável e domável. Mas não deixo de achar que o modelo fácil-prático expõe muitos dos meus contemporâneos à doença da época. 

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