segunda-feira, 1 de outubro de 2012

O meu carro


Vim ontem do Alentejo de carro. Deste vez, fiz o percurso todo de janela aberta; só mesmo para acentuar aquela sensação que o carro me dá: de liberdade.

É engraçado como o carro é, hoje em dia, o rei das coisas: é de todos os objectos aquele ao qual mais personalidade se atribui. Diga-se também que tudo é feito para nos convencer que o mesmo é o prolongamento da personalidade do dono. 

Recordo-me de, há uns anos, ter tentado organizar um conjunto de festas que brincavam com esses mesmos códigos: uma delas consistia na criação de um circulo de carros, cujos auto-rádios estavam sintonizados a uma mesma frequência enquanto as luzes dos carros serviam para iluminar o dance floor, improvisado no centro o circulo.  A ideia ali era a de explorar a relação que o condutor dentro do seu carro consegue desenvolver com quem está fora. Por norma, fora da carroçaria, só estão entraves a ultrapassar; ali, a ideia era estar dentro do invertebrado mas de porta aberta e num acto de partilha.

E porquê este devaneio acerca do carro?

Pois porque, acontece-me algo de inquietante mas interessante face ao carro; algo em que resolvi trabalhar.  Mal o Henrique entra dentro daquele habitáculo transforma-se num ser execrável: impaciente; impulsivo e com uma capacidade infinita de atribuir defeitos ao mundo... 

Admito que se eu fosse o INE, naquele momento, uns bons 80 por cento dos meus congéneres seriam pata-chocas. 

Basicamente, ao entrar no carro fico uma besta: descobri aliás uma palavra, este fim-de-semana, que me vai acompanhar durante os próximos tempos: descobri que sou agarrado aos meus instintos. Sou um tipo muito instintivo. Para o bem como para o mal.  E  noto que o carro tem uma forte tendência a atiçar esse meu lado. Esta coisa de só ter que carregar no pedal para ter ilusão de um poder ascendente; esta coisa dos meus limites passarem da pele para a chapa.  E o facto de estar numa dança de poder com os meus congéneres, fazem da condução automóvel uma baile de egos.

O estar no carro é aliás uma metáfora do estar no mundo porque é aquela coisa híbrida que tanto é um espaço privado como um espaço público. Daí que conseguir trabalhar alguma atitudes de automobilista conduza seguramente a fazer de mim um cidadão mais consciente e sobretudo um homem mais sereno. 

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