quinta-feira, 20 de dezembro de 2012

Intersexual


Apetece-me aqui hoje partilhar algumas das reflexões que serviram de mote às minhas conversas filosóficas com a minha amiga Erinç... Em causa estavam as teorias do género.

É espantoso como todo o discurso científico converge no sentido de sublinhar o facto de não haver um saber neutro e de só existirem saberes datados e localizados.  Se nos fixarmos na questão do corpo poderemos aqui citar historiadores como Thomas Laqueur ou John Scott; no campo das ciências ditas exactas, destaca-se a bióloga Anne Fausto Sterling enquanto na filosofia, a figura de proa é a Judith Butler, autora do Gender Trouble, no qual refere que a sociedade não produz apenas um discurso sobre o corpo como o próprio corpo em si. Desde o cérebro às hormonas, tudo é o fruto de uma cultura. Não há forma de extrair uma natureza original, exterior à cultura; ou seja, nunca se pode autonomizar a biologia sem se cair no biologismo.

Agora é claro que por mais que todo o discurso científico, filosófico e até político consubstancie um novo paradigma quântico, o senso comum continua irremediavelmente arreigado à dualidade do empirismo. Neste caso, ou se é homem ou se é mulher.

E isso apesar da actualidade nos brindar diariamente com provas dadas da diversidade que subjaz à nossa realidade. Vejam o exemplo da atleta sul africana, Caster Semenya, campeã mundial dos 800 metros, cujas proezas e características físicas levaram o Comité Olímpico a exigir um teste de feminidade. É interessante reparar que só quando estão em causa feitos à altura de um homem é que se exige à mulher que prove a sua identidade.

No âmbito das teorias que enquadram os intersexuais – outrora chamados hermafroditas – a tónica é colocada não apenas na diferença como na indiferença. O interessante aqui é perceber que as características que tipificam um homem e uma mulher nem sempre se sobrepõem. 

Definir o que é um homem e uma mulher será sempre um processo cultural tanto quanto natural; se noutros tempos teríamos sociólogos a dizer que tudo é social e biólogos a rematar que tudo é biológico, temos agora um campo do saber que se abre a todas as imbricações.

É importante que, como cidadãos que somos, saibamos estar atentos ao discurso científico e cultural da nossa época. Lembremo-nos que noutros tempos a terra já foi plana antes de ser redonda.

Os conceitos a que estamos hoje agarrados não passam disso: conceitos; criados por pessoas, empenhadas num determinado momento histórico, em explicar e organizar a vida dentro de toda a sua assustadora diversidade.


2 comentários:

  1. Já agora, acrescento que os dados mais recentes apontam para que 1,7 por cento da população seja intersexual; o que numa cidade de 300 mil pessoas representa cerca de 5000 adultos e crianças; sujeitas a terapias comportamentais, tratamentos hormonais ou simplesmente expostas ao desconforto de uma anormalidade silenciada.

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  2. Assinale-se também que a Austrália foi até hoje o primeiro e único país a reconhecer o sexo de uma pessoa como "não especificado". Quer isso dizer que, num bilhete de identidade, coloca-se uma destas três opções: masculino, feminino e não especificado.

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