quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

O bosão de Higgs


Fim do ano, fim do mundo, fim do medo... Pois eu prefiro olhar para este fim e perceber o que dele poderá ter nascido. E embora não seja de todo entendido na matéria, aproveitaria este espaço para fazer alguma divulgação científica a respeito dum momento que não apenas marcou o ano de 2012 como se poderá assumir como um ponto de viragem na área do saber.

Refiro-me ao bosão de Higgs, cuja "descoberta", no passado 4 de Julho, despoletou uma onda de entusiasmo no meio científico, proporcional ao desconcerto em que deixou os leigos. Por isso, vou, antes de mais, tentar aqui explicar o carácter excepcional desta descoberta, a cargo do Centro Europeu de Pesquisa Nuclear. Na verdade, este anúncio corresponde, em certa medida, ao fim de um mundo iniciado com Newton e com a ideia de que a massa é uma consequência intrínseca de qualquer partícula. Um electrão, por exemplo, tem uma massa que lhe é própria e que o define enquanto electrão. 

Pois é precisamente o fim deste modelo que o Bosão de Higgs veio assinalar, porque veio confirmar uma teoria levantada por Peter Higgs e mais dois colegas em 1964: a proposta destes três homens era a de que a massa poderia não ser uma característica intrínseca das partículas mas sim resultar de uma interação das mesmas com o vazio circundante; vazio esse, que deixa de ser aqui visto como vazio para ser encarado enquanto um campo magnético – o campo de Higgs – recheado dos tais bosões de Higgs.

Imagine uma pessoa apressada no meio da multidão: quanto mais embate noutras pessoas, ou seja em bosões, mais lenta se torna ou seja mais massa ganha. Ao não embater em nada nem ninguém, poderá chegar ao ponto de ser desprovida de massa, o que equivale a ser isenta de campo magnético ou de temporalidade.

Portanto, o que se enuncia aqui é, mais uma vez, a ideia de que as características da matéria e da vida são o puro produto de uma interação. Veja que até o ar, que se associa no senso comum ao vazio, pode ser o equivalente a uma serra eléctrica se porventura conseguisse acelerá-lo espácio-temporalmente, ao pôr a sua mão de fora da janela do avião.  Idem para o caso de cair desse avião para dentro de água: a superfície da mesma seria equivalente a uma chapa de betão.

Mas a verdade é que estas matrizes espácio-temporais colidem com a percepção física que todos temos delas no nosso dia-a-dia: e por isso, voltando aqui a este fim de ano, o bosão de Higgs com o seu admirável mundo novo bem se podem ir pintar de amarelo.

E porquê, já agora, tamanho desinteresse face ao que nos exige reflexão e compreensão?

Pois pegando na célebre máxima do filósofo David Hume, o ser humano prefere que o mundo impluda a ter um arranhão no seu dedo.  Isso, porque o que guia as nossas vidas é a procura dum prazer ou a fuga a uma dor. A razão só surge numa segunda fase: bem pode conduzir as nossas aversões ou os nossos desejos mas nunca se poderá substituir ao impulso inicial.

A nossa mente impele-nos ao aqui e agora e questões que não nos reflictam esse presente, rapidamente se nos afiguram como inúteis; algo que o capitalismo soube integrar muito bem, contrariamente às grandes ideologias do século passado.

Na verdade, não há mal nenhum nisso, só é de lamentar na justa medida em que nos estamos a privar de elementos de análise de uma realidade que nos revelam algo de essencial: na origem da vida e da matéria estão processos co-partilhados que vivem do luto de uma objectividade, face à qual o sujeito só podia ser passivo.

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