domingo, 16 de dezembro de 2012

Os convidados de Nero


Estive há pouco a ver um documentário intitulado Neros Guests, que se assume como um manifesto que denuncia a miséria dos pequenos produtores agrícolas indianos.

Mas o título nasce de um relato imputável ao historiador romano Tácito que descreve nos seus escritos os incêndios de Roma. Parece que o Imperador Nero, muito preocupado com alguns rumores infundados que o acusavam de estar na origem dos incêndios, lembra-se de organizar um grande banquete para dispersar as atenções. Convidam-se então notáveis, intelectuais, artistas: toda a fina flor da sociedade romana de então.

Só que há ali um problema: de iluminação... Os jardins de Nero onde se desenrola a festa carecem de luz que ilumine as celebrações noturnas. Algo que o imperador terá resolvido com a seguinte solução: manda vir criminosos e presos para prendê-los a troncos antes de lhes atear fogo, transformando-os em tochas vivas.

Aquilo que o documentário questiona ao parafrasear o historiador Tácito, é como é que aqueles ilustres convidados conseguiam saborear figos, uvas e licores na presença daqueles corpos incandescentes?

Quereremos também nós ser os convidados de Nero?

Pois à questão do jornalista citado neste Neros Guests, junto a minha: que fará com que todos, hoje como ontem, consigamos lidar tão facilmente com a miséria alheia desde que nos saibamos excluídos da mesma?

Será o ser humano assim tão propenso ao bem como gostamos de achar?

A verdade é que a miséria afasta; tal como a fraqueza e a fealdade.

Também, no extremo oposto, a opulência, a força e a beleza atraem.

Porquê associar estes epítetos uns aos outros?

Precisamente por nos termos habituado a vê-los associados.

Haverá forma ou vontade de fazermos de valores premiáveis imagens geradoras de desejo e empatia?

Ou será a própria cultura dos ícones que deveremos combater libertando o homem dos seus instintos mais primários?

Eu confesso que em tempos de relativa precariedade, não sei se consigo confiar na capacidade do ser humano não ser egoísta e principalmente vítima dos seus medos.

Eu.

Que faria eu se amanhã me propusessem um contrato chorudo que pressupusesse alguns “danos colaterais”?

Seremos todos levados, em maior ou menor grau, a ser os convidados de Nero?


4 comentários:

  1. Hummm, dá muito em que pensar!
    E parece que há também uma "classificação" da miséria alheia que justificar acções. Eu não deixo de acreditar que sim, é possível querermos ser como um Dalai Lama e podermos ter mesmo consideração pelo mais pequeno sofrimento alheio, por muito pequeno que seja.

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  2. O estranho é que olhando para a história, vês que o homem é só um homem; perante o medo os reflexos são hoje os mesmos do que os de há 2000 anos. A cultura em nada contribuiu contra isso. E se quisermos ter um retrato ainda mais claro, basta observar as crianças: tanto nos ensinam a partilhar como a empurrar.

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  3. Pois é, parece que nos últimos 2000 anos temos estado a aprender a ser mais humanos. Talvez estejamos num momento de maior amadurecimento e tomada de consciência de 2000 anos de história da humanidade: com mais sensibilidade, maior capacidade de dar, de compaixão, de aceitação da diferenças. Sim, há muita gente e muitos exemplos pelo mundo, ainda hoje em dia, que em nada se encaixam nesta descrição de maturidade mas um grande número (poderei dizer crescente) vai se aproximando mais e mais...

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  4. Que assim seja, venha esse fim deste mundo então :)

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