Fui ontem ao Lux assistir à performance de
Chrysta Bell, apresentada como a mais recente criação do realizador David
Lynch. Confesso que achei o conceito curioso e interessante: na era das concept store em que uma loja de
antiguidades passa a ter uma cafetaria acoplada ou numa altura em que o branding de certas marcas, como a
Michelin ou a Pirelli, quase que se sobrepõe aos produtos da marca original; pois
nesse contexto pareceu-me pertinente que um realizador se atrevesse a encenar
um concerto musical.
Portanto, ao nível da ideia a coisa prometia até porque os filmes do David Lynch deram-me acesso a bandas sonoras tornadas
míticas como a do Lost Highway.
Lá estava então no piso de baixo do Lux
ansioso por descobrir tamanha musa inspiradora. E lá chegou, a esbelta e bonita
Chrysta Bell; de perna bem aberta para deixar evidenciar em contra luz os
pormenores de uma silhueta irrepreensível; mas se na teoria tudo ali estava
para garantir uma experiência memorável, na prática, tudo faltou.
Faltou atitude; faltou substância;
personalidade; uma identidade. Em vez
disso, assistiu-se à encenação de uma personagem. Ali estava uma jovem bem
parecida vinda do seu Texas natal, formatada para ter ali algo; era fácil ler o guião que lhe fora
seguramente aconselhado. Mas a verdade é que a Lolita, que agradecia
pomposamente os aplausos de circunstância da plateia, soava aquilo que era:
falsa. Fake.
Toda aquela personagem revelara-se um composto
de fragmentos; todos eles com potencial mas que, na hora da partilha, não se
substituem ao essencial nessas coisas que é a sensação de se estar a viver um
momento de Verdade. Uma Verdade que nos transporta para os nossos próprios limites.
Pois ali, naquele palco, nada disso existia.
Estava uma miúda empenhada em sublinhar comportamentos caricaturais para ser
confundida com uma personagem.
E se as personagens esculpidas pela mão de um
realizador dão alma a um filme, já em palco acho que deve haver algo de mais
genuíno. É essa partilha de algo especial e irrepetível que leva as pessoas a
sair de casa para comungarem: Deve ali haver uma liturgia da Verdade: uma
comunhão que parte de uma sinceridade partilhada ao vivo, com risco e emoção.
No que me diz respeito acho que já temos
personagens que chegue; já vivemos rodeados de demasiadas caricaturas; Já
enjoamos imagens retocadas e edulcoradas. Repito, para mim, espero de um
criador a capacidade de ir beber ao baú das contradições; o mesmo das dúvidas
ou porque não ao baú da curiosidade: espero este esforço de pesquisa da substância
vital e espero sinceridade e entrega na interpretação.
Haverá aqui lirismo a mais?
Será ilusório acreditar que, na era da
partitura electrónica, o sumo da arte continua a estar dentro do peito e não
for dele?
Teremos de aceitar que um produto acabado tem
de chegar ao público limado e maquilhado?
Mais uma vez, voltamos ao mesmo: tudo depende
daquilo que enquanto consumidores e actores das nossas vidas quisermos
legitimar. Eu pactuo de bom grado com os carnavais urbanos mas sei que também
aprecio perder-me em recantos chamados salas de espectáculo para que no espaço
daquela missa caiam máscaras e se opere o milagre.
Amen.
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