Durante as últimas décadas, valorizou-se muito
a cultura da especialidade. A ideia era a de formar técnicos altamente
especializados; aliás quanto mais únicos fossemos no domínio de um assunto
maiores as nossas hipóteses de sucesso. No mesmo registo, as empresas foram
externalizando tudo o que não tivesse que ver
com o seu core business:
delega-se a refeição colectiva a uma empresa da especialidade; contrata-se uma
empresa de limpezas, em vez de recrutar uma pessoa da casa afecta a esse e outros
serviços. E assim se chega, ao termo de
algumas décadas, ao fim da empresa patriarcal, parceira de um certo pacto
social.
Por detrás dessas opções, claro está,
estiveram especialistas em gestão de recursos que entenderam que estas escolhas
seriam as melhores para aumentar os rendimentos da empresa, ao reduzirem custos
colaterais.
Basta ainda agora ligar a televisão,
especialmente nos canais informativos, para sermos a toda a hora inundados de
magnas teorias debitadas pelos novos profetas: os comentadores.
E isso, para não falar das Agências de rating ou da “crème de la crème”: os políticos
profissionais.
Pois tenho aqui a dizer: Basta.
Basta, desde logo, porque as visões
compartimentadas desses especialistas não se têm revelado capazes de antecipar
soluções globais à altura.
Basta, porque o mundo e o ser humano tendem
cada vez mais a ser um conjunto fluído; e em boa hora, porque para que assim
não seja, vêm especialistas definir estratégias de marketing que orientem as
escolhas do rebanho.
Basta, porque não creio que este modelo da
especialização nos torne a todos nem mais felizes, nem mais perspicazes nem
mais solidários.
Basta, porque a cultura da especialidade
afunila o pensamento e não se traduz, contrariamente ao expectável, numa pluralidade
de pontos de vista. Assumamos o exemplo
da crise. Há três anos, todos concordávamos –a reboque de teorias importadas no
pós Goldman Sacks – que era papel do
Estado apoiar a banca desse por onde desse.
Hoje todos concordam que a nacionalização do BPN foi um erro; Há um ano,
todos concordávamos que a austeridade era o merecido castigo por anos de
sol e vida boa; Agora, já todos concordam que a medica ção
está a matar o doente... Ou seja,
grandes verdades que se contradizem umas às outras no espaço de meses
são hoje o apanágio da nossa realidade.
Por isso eu digo, não se trata de repor em
causa a necessidade de pessoas bem preparadas nas respectivas áreas de actuação. Trata-se de repensar as ferramentas que os ditos especialistas
estão a usar; e deixar de querer fazer futurologia. A vida e o mundo estão mais do que nunca em
mudança constante. Querer controlar esses ciclos é em boa parte ilusório.
Portanto, à minha escala de observador
diletante, eu advogo a necessidade de se redimensionar a nossa acção a um nível
mais legível. É certo que vivemos numa
realidade global mas na minha perspectiva global também rima com local.
Revejo nos acontecimentos que nos rodeiam uma
excelente oportunidade de voltarmos a requalificar redes territoriais feitas de
pequenas e médias explorações que conferem toda a singularidade e qualidade de
vida a este país. Está na hora de voltar a integrar; de voltar a resgatar
modelos de organização que sejam mais flexíveis. Eu imputo à crescente
compartimentação das áreas de saber e de intervenção, parte da explicação
daquilo que estamos a viver.
Basta de querer proceder a reformas pensadas
para os dois por cento das empresas que exportam. Eu fui criado e educado por
um casal dono de uma loja de electrodomésticos de centro de cidade; sou hoje um
micro empresário. São pessoas como eu, como nós, que devolvem vida aos centros urbanos:
que devolvem dinamismo às comunidades; é importante não ficarmos na megalomania
do grande capitalismo mundializado.
Parece-me que o medo de perder este último
comboio dos grandes anda a cegar os nossos gurus.
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