Fui ontem jantar com um amigo. Um amigo cujo
pai teve um AVC há cerca de um mês, em boa parte devido a uma vida condimentada
de prazeres tabágicos e alcoólicos...
O tema ocupou parte do nosso serão, até porque
o amigo em questão herdou os vícios do pai. Mas à nossa mesa estava ainda um
terceiro convidado: aquele maço de tabaco.
A verdade é que deixei de fumar faz agora três
anos. É o meu máximo. Por duas vezes antes desta, deixara de fumar por
períodos de um ano. E a cada vez, o
regresso ao vício passava por aquele frágil instante em que sem querer pensar
muito, pegava num cigarro, dizendo-me no intimo: já lá vai um ano; já deixaste
de fumar; isto já não é uma ameaça para ti; já te podes dar a um pequeno e
inconsequente prazer... Erro fatal. Já que o contador voltara a zero, na semana seguinte “perdido por um, perdido por
dois”. Então, dessa vez, já eram dois em vez de um. Pronto, daí a 4 dias, já
são quatro, oito... e passado dois meses após aquele mísero primeiro cigarro,
já estava a fumar um maço.
Este exemplo ilustra outros exemplos. Tenho em
mim um fumador que coexiste de muito perto com um não fumador. Em mim vivem
ainda homens casados e homens solteiros; patrões workaolic em potência com indigentes desmotivados.
É assustador sentir que o meu equilíbrio é
algo de tão frágil. E por vezes questiono se não deveria também eu barricar-me
atrás de uma rotina mais regrada. Vestir esta espécie de burca social que me iniba as pulsões. O que é certo que ando agora
numa fase muito cordeiro: saudável; disciplinado; faço ginástica e tal... Mas
começo a temer o bicho da tentação. Já estou com medo de mim.
Nesse sentido questiono-me. Seremos todos
assim ou serei eu especialmente assim?... É que a capacidade viral e explosiva
dessa caixa de Pandora é imensa. Pode
levar tudo na sua passagem.
Mas, já agora, não resisto a pôr em
perspectiva esta minha faceta com a minha recente estadia em casa dos meus
pais. O meu pai tem 68 anos e a minha mãe 65. São ambos pessoas activas e
aquilo a que se chama jovens, para a idade deles: viajam, cuidam dos netos;
cozinham; regam a relva; gerem o dia-a-dia. Um universo aparentemente
terraplanado onde essa minha caixa de Pandora parece não existir.
Num canto da cozinha, reina neste pequeno
império da normalidade, um enorme plasma que teima, à hora das refeições, em cuspir
doses diárias de medo e mediocridade. E este microcosmos parece repetir-se
pelas casas da vizinhança daquela rua pacata de uma normal cidade de província.
Estranhamente tudo aquilo gera-me alguma
claustrofobia. O problema é que à semelhança do tal cigarro, fui-me, ao longo
dos anos, habituando a ver nalgumas catarses mais sombrias uma espécie de libertação.
E agora questiono, será inevitável?
Haverá forma de viver a vida em pleno sem
assumir esse meu lado mais nocturno?
Estará o problema no dito modelo de
normalidade?
Pois não sei, mas sei que no dia de hoje,
sinto um medo real de novamente perder o controle. Embora por outro lado, sinta
precisamente o apelo da vertigem.
Deixei de fumar há oito anos e todos os dias me lembro e tenho saudades desse cigarro que tanta companhia me fazia!
ResponderEliminar... mas voltar é que não!
Um abraço.