Hoje a minha mãe faz
anos.
Antecipa-se nestas
palavras uma rasgada declaração de Amor. Com o maior A possível.
A minha mãe é a
culpada por eu ter uma visão tão inteira do amor. É assim que ela me habituou a
ser amado: por inteiro e sem concessões.
E vejam que amar por
inteiro alguém equivale a aceitar nessa pessoa os defeitos que repudiamos em
nós próprios. É tudo menos fácil. E neste caso em particular, atrevo-me a dizer que
tenho sido, na vida da minha mãe, uma praxe constante.
O senão que esta
dádiva implica é que a minha mãe dá por vezes aquilo de que precisa para ela:
tempo, calma e força. Pressinto que aquele peito anda muitas vezes inquieto;
pressinto que há muito que deixou de se cuidar para cuidar da tribo.
Estes braços sempre
estendidos, ligados a umas costas doridas, são a imagem daquilo que não voltei
a encontrar vida fora: dar, dar e ajudar.
Que castigo.
É nessas alturas,
quando rememoro a minha mãe e que penso que nem eu, filho que tanto a ama, sou
capaz de lhe aligeirar a mente; é nessas alturas, que se me rasga o peito.
Gostava tanto de
poder trazer-lhe felicidade, ou pelo menos segurança e paz.
São estas as imagens
pueris com que sonho quando me procuro investir no meu sucesso pessoal: ser
capaz de devolver um pouco daquilo que recebi.
Sei que este
aniversário ocorre num dia já de si especial. A minha mãe também é filha. E a mãe da minha mãe encontra-se no Hospital.
Não está bem: muito em virtude da irresponsabilidade kafkiana das formiguinhas
de bata branca. E ver a minha mãe, a sentir-se impotente, por aqueles
corredores a querer ajudar a própria mãe só torna mais sórdida a situação. Porque sim, há que dizê-lo, lá está a Antónia
feita última dos Moicanos a digladiar-se só com as não-respostas de
funcionários.
E porque está a
Antónia sozinha mais uma vez?
Porque todos têm as
suas vidas; todos vivem num equilibrismo malabarista; todos acautelam a
sobrevivência do aqui e agora e deixam o outro para depois: todos, menos a
Antónia.
Eu, como filho da
minha mãe, já sou feito de outra carne; já sou mais egoísta e tenho um cardápio
de boas razões para o ser. Mas não deixo de observar com admiração esta mulher.
É de facto heroico este comportamento.
É quando observo
pessoas como a minha mãe que relativizo as grandes sagas nacionais; os grandes
heróis que nos encarregamos de glorificar, ainda que já haja poucos. De que me interessam estes protagonistas da
História, altamente habitados por egos transbordantes, face ao heroísmo calado da
minha mãe?
Portanto aqui
vai,
Ao desejar-te os
meus parabéns mãe, comprometo-me intimamente em dar-te o amor com que me tens
regado. Esta tem sido a minha maior
força e farei com que também seja a tua.
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