Desde sempre que o Mediterrâneo
me tem falado. Não menos até do que a Europa, que corresponde a uma espécie
de construção política com contornos por vezes incertos. Perguntem-me o que me liga a um
polaco, e ver-me-ei com dificuldades em responder.
Já no caso do Mediterrâneo,
revejo uma continuidade cultural muito mais natural. Desde a fisionomia à
arquitectura passando pelas paisagens ou sabores. Faz, para mim, todo o sentido
falar-se em cultura do Mediterrâneo.
Daí que quando há
uns anos o então recém-empossado presidente Sarkozy se lembrou de falar na
criação de uma União dos Países do Mediterrâneo a coisa tivesse feito todo o
sentido para mim. Fora infelizmente um
projecto abortado no meio de muitos pela degradação da conjuntura mundial.
Essa União procurava,
em bom rigor, contornar a espinhosa questão da integração turca na UE. Mas
continha em si um germe que merece reflexão e que nasceu do pensamento de um
dos homens mais sábios da nossa modernidade: o biólogo e filósofo Albert
Jacquard. A ideia, introduzida em tempos por esta que é das figuras mais
acarinhadas pela opinião pública francesa, reside na vontade e necessidade de capitalizar
as pontes culturais que ligam o Norte de África à Europa do Sul.
A título de exemplo,
vejamos as tendências demográficas de um país como o Egipto. Nos últimos 50
anos, a população mais que triplicou e há previsões para que passe dos actuais
80 milhões para os 150 nos próximos 20 anos. Isso, necessariamente ligado à
escassez de recursos e a níveis de instrução cada vez mais baixos. Compare-se
essa realidade ao bunker europeu, cada vez menos povoado e cada vez mais
instruído. Antecipam-se aqui grandes
núcleos de tensão de que as actuais tendências migratórias já são expressão.
A cultura surge aqui
como forma de, desde logo, sublinhar as similitudes onde, de outra forma, nos
ficaríamos pelas diferenças; diferenças que são geralmente assimiladas pela via
da caricatura. Veja-se a questão da recente polémica sobre o suposto filme que
denigre a figura do profeta. Claro está que os populismos religiosos se
apressaram de resumir a figura do americano à imagem do herege enquanto do lado
de cá muitos continuam a olhar para os árabes como um bando de aiatolás
chalados.
Muito pode e deve
ser feito: avizinham-se grandes núcleos de tensão aos quais todos estamos
expostos.
Contudo, veja-se a
juventude que encorpou as revoluções árabes e comparem-se as aspirações da
mesma com os slogans dos indignados
espanhóis, portugueses ou gregos... Há uma convergência possível e acredito que
a bacia mediterrânica tenha agora uma excelente oportunidade de voltar a ser o
berço de uma fusão de culturas, filhas de uma mesma época.
NB: Já agora,
questiono como é que em Lisboa se tem um Museu que recorda as nossas ligações históricas
ao Oriente e continuemos a não dispor de um espaço de aproximação com os países
nossos vizinhos do continente africano.
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