quarta-feira, 12 de setembro de 2012

O homem que fazia Adeus


João Serra: é o nome daquele homem que acenava aos lisboetas e que morreu há já coisa de dois anos. 

João Serra é o meu herói. Recordo-me aliás que no dia em que se soubera da sua morte, o suposto anónimo rivalizara com Steve Jobs em matéria de posts no muro da rede social azul. É giro, aliás, como a realidade que merece interesse nos corredores das tais redes é, com frequência, tão distante das manchetes da imprensa diária.

Na verdade, o que me leva a resgatar a memória deste homem, cuja história me é largamente desconhecida, é a atitude com que resolveu brindar diariamente os lisboetas. O que me marca naquele senhor é a gratuidade com que se predispôs a diariamente ir ali cumprimentar milhares de automobilistas apressados. O interesse era dar. Não interessava o que se poderia receber em troca. Mais do que tudo, tinha que partilhar.

E assim foi: deu e foi-se; e ficou uma lembrança. A daquele homem que do nada se lembrou de transcender a solidão com uma dádiva.

Esta história toca-me até porque não sou insensível às coisas cuja beleza se consome na sua fruição. Acho que a vida também é isso. Apesar de vivermos uns tempos muito avessos à imaterialidade do fugaz; basta ver a facilidade com que se tira uma fotografia à primeira coisa supostamente memorável. Alimenta-se a ilusão de que levamos um bocadinho daquele momento para casa.

Esta coisa de termos de materializar tudo; de sermos formatados para a posteridade; para o património; de deixarmos marcas das nossas vidas para lhes dar sentido; não será mais sensato aceitar as coisas através da emoção que mereceram em nós naquele momento?

Recordo-me de ter lido em tempos  o Livro das Ilusões, do Paul Auster. Gostei imenso dessa história em que um cineasta rejeitado de uma indústria tornada mais comercial, com o advento do cinema sonoro, decide isolar-se do mundo para criar filmes desprovidos de qualquer concessão.  Fizera dali em diante somente os filmes de que gostara em nada preocupado com o que público pudesse entender ou apreciar.  Recordo-me que o desejo de autenticidade do cineasta era tal que fizera jurar à companheira que queimaria toda a sua obra no dia em que morreria.

E de facto, fazer as coisas na perspectiva de um retorno altera-lhes a substância. Eu, confesso preferir a foto mental à impressa; a memória subjectiva ao facto datado; revejo mais generosidade numa dádiva gratuita do que num legado.

Mas a perversão em que nos passámos a relacionar é tal que quando se nos aproxima alguém a querer dar-nos seja o que for a reacção primeira já é a de dizer que não por intuirmos que, nada sendo gratuito, aquele dar equivale a um pedir.

Por isso, repito, aqui o meu obrigado a todos os que se empenham em diariamente alimentar em mim a capacidade de dar e receber, sem medos.

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