segunda-feira, 17 de setembro de 2012

O jornalista


Aqui, começo por dizer que também eu fui durante uma década jornalista. Um jornalista pouco motivado, na verdade, embora tenha sido brindado por excelentes oportunidades de passar por vários medias. Até que um dia, decidi – sim, DECIDI - deixar de o ser.

Sou hoje muito crítico face ao trabalho dos meus ex-colegas.  Começo por lamentar a duração dos telejornais: quando vejo noutros países blocos noticiosos de 15 minutos, aqui evolui-se para sagas de uma hora e meia com tudo a que temos direito menos as pipocas: sangue, suor e lágrimas.

Depois, lamento ainda a falta de especialistas nas redações. É palpável, ao final, o excesso de polivalência.  Isso para não falar do jornalismo de rabo sentado:  Um apanhado de breves e tal, e a coisa está feita.

Que fique claro que não estou aqui a criticar o potencial dos jornalistas em questão. Sei que serão seguramente pessoas interessantes. E já agora, não resisto a alargar esta análise a outras profissões. Onde estão as obras desses arquitectos com quem falo de Oscar Niemeyer  no bairro alto à noite? São eles os pais daqueles abortos arquitectónicos que desfeiam as nossas periferias?

O que é que impede que a inteligência e o bom gosto de pessoas seguramente capazes e conscientes predomine?

Bom, mas já que não me quero aqui ficar por uma leitura sombria dos factos, apetece-me partilhar algumas considerações que me parecem abrir portas a novas soluções. 

Sei que essas reflexões nasceram, há umas semanas, quando li a peça do Cartaz, assinada por Pedro Mexia, em que se assinalava um feito histórico esquecido de muitos: o fim da edição impressa da Enciclopédia Britânica; nada menos do que a referência máxima no género.  Um fim que auspicia um futuro incerto para o próprio género de enciclopédia, incapaz de acompanhar as constantes actualizações de dados a que um utilizador de internet se habituou.

E estamos, a meu ver, perante um cenário idêntico no da imprensa. Já fomos consumando algumas oportunidades perdidas da imprensa escrita fazer valer a sua diferença face aos mass media. Desde logo, assinalo aqui uma hipocrisia própria do continente europeu, que contrasta com o pragmatismo anglo-saxónico. Continua-se aqui a querer ver o jornalista como um ser imune a preferências e opiniões.  Enquanto aqui um jornalista que viesse a assumir uma qualquer preferência ideológica seria, desde logo, acusado de não ser suficientemente idóneo para tratar a agenda política, do outro lado do Atlântico é precisamente o oposto que se passa: o facto de abrir o jogo obriga seguramente a um maior esforço do jornalista mas não deixa de ser visto como uma prova dada de transparência e honestidade. Portanto, ponto número um: assumir que um jornalista pode ter uma cor política; uma religião e ainda assim uma vida privada sem que isso choque ninguém.

E depois, ao nível do próprio modelo de exploração do jornalismo português há aqui muito conservadorismo na forma como os formatos são pensados.  Olhando para o caso da França, que conheço melhor, vejo uma mistura de géneros de acho francamente interessante.  Primeiro, o caso da Mediapart (mediapart.fr) e que me parece ser o caso mais bem sucedido de um site de informação paga. Ao termo de três anos de vida o projecto já contava com cerca de 60 mil assinantes e era auto-sustentado, podendo remunerar uma redação composta por 36 jornalistas. Todos eles convenientemente pagos, e com áreas de investigação onde lhes é permitido investirem; através nomeadamente de reportagens mais demoradas. Em simultâneo, o assinante passa a poder contactar o jornalista no sentido de ponctualmente lhe solicitar alguns esclarecimentos; o que não deixa de reabilitar uma vertente quase académica do papel do jornalista na comunidade.

Temos depois exemplos, a meu ver muito bem sucedidos, como o da rue 89 (rue89.com) que nasceu de uma validação jornalística da blogosfera. O problema deste site, embora seja a meu ver uma excelente fonte de informação, é a sua incapacidade de gerar um modelo financeiramente estável.  Com outra agravante, no caso português. Não temos o hábito da subscrição por assinatura que facilita a adesão a novos modelos de consumo jornalístico.  Contudo, neste como noutros registos, acho que está na hora de se desmistificar o eldorado da gratuidade da internet e afins. Está visto que condicionar a remuneração de todo e qualquer projecto editorial às simples angariações publicitárias, é notoriamente insuficiente.

Acho que pode haver público disponível para remunerar parcialmente um projecto que saiba misturar a cobertura da actualidade com outras áreas mais aprofundadas do saber.  Desde que a coisa viva do pressuposto de uma total transparência interna e editorial.

Mais: numa altura em que se anda a discutir o modelo de financiamento da televisão pública, gostava de saber por que razão é que a taxa de radiodifusão paga por todos os contribuintes, só se destina a apoiar o audiovisual e não a totalidade da comunicação social nacional?

Quer dizer no cinema, os apoios vão – ou iam -  predominantemente para cinema de autor e aqui decide-se que o dinheiro público só pode apoiar os mass media. Porquê?

E estamos aqui a falar de um modelo financeiro para não questionar o impacto que o actual modelo de financiamento pode ter na imparcialidade do jornalismo que temos. Qual é o chefe de redacção que vai autorizar uma reportagem sobre a fábrica de iogurtes, que explora mão-de-obra clandestina, quando a mesma compra páginas inteiras de publicidade?

Portanto, nesta fase de RTP GATE, acho que seria um excelente sinal da parte de uma classe profissional, que se assemelha aos militares no seu alegado dever de exclusão do conflito social, de dar sinais de vida; e que não sejam apenas protestos e exigências paroquiais.  O país precisa de outro jornalismo; pelo menos eu preciso. E sei, não duvido, que o que não falta pelo país e pelas redações é massa crítica mal aproveitada. 

2 comentários:

  1. Gostei imenso deste seu "post". Tenho-me debruçado muitas vezes sobre o tema, mas parece que a situação não tem remédio.
    Cumprimentos.

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    1. Eu acho que o que importa reter é que os anunciantes vão onde estão os potenciais clientes; neste caso para a net. Daí estarmos perante novos suportes com novos timings mas que também trazem novos desafios. Não há fatalidades na matéria até porque a realidade recorda-nos diariamente que vivemos uns tempos urgentemente necessitados de gente informada e crítica.

      De resto, muito obrigado pelo seu comentário. Confesso que isso de escrever para a quarta parede também cansa :)

      Bem haja!

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