terça-feira, 4 de setembro de 2012

O pecado


Fui ontem jantar com um amigo. Um amigo cujo pai teve um AVC há cerca de um mês, em boa parte devido a uma vida condimentada de prazeres tabágicos e alcoólicos...

O tema ocupou parte do nosso serão, até porque o amigo em questão herdou os vícios do pai. Mas à nossa mesa estava ainda um terceiro convidado: aquele maço de tabaco.

A verdade é que deixei de fumar faz agora três anos. É o meu máximo. Por duas vezes antes desta, deixara de fumar por períodos de um ano. E a cada vez,  o regresso ao vício passava por aquele frágil instante em que sem querer pensar muito, pegava num cigarro, dizendo-me no intimo: já lá vai um ano; já deixaste de fumar; isto já não é uma ameaça para ti; já te podes dar a um pequeno e inconsequente prazer... Erro fatal.  Já que o contador voltara a zero, na semana seguinte “perdido por um, perdido por dois”. Então, dessa vez, já eram dois em vez de um. Pronto, daí a 4 dias, já são quatro, oito... e passado dois meses após aquele mísero primeiro cigarro, já estava a fumar um maço.

Este exemplo ilustra outros exemplos. Tenho em mim um fumador que coexiste de muito perto com um não fumador. Em mim vivem ainda homens casados e homens solteiros; patrões workaolic em potência com indigentes desmotivados.

É assustador sentir que o meu equilíbrio é algo de tão frágil. E por vezes questiono se não deveria também eu barricar-me atrás de uma rotina mais regrada. Vestir esta espécie de burca social que me iniba as pulsões. O que é certo que ando agora numa fase muito cordeiro: saudável; disciplinado; faço ginástica e tal... Mas começo a temer o bicho da tentação. Já estou com medo de mim.

Nesse sentido questiono-me. Seremos todos assim ou serei eu especialmente assim?... É que a capacidade viral e explosiva dessa caixa de Pandora é imensa.  Pode levar tudo na sua passagem.


Mas, já agora, não resisto a pôr em perspectiva esta minha faceta com a minha recente estadia em casa dos meus pais. O meu pai tem 68 anos e a minha mãe 65. São ambos pessoas activas e aquilo a que se chama jovens, para a idade deles: viajam, cuidam dos netos; cozinham; regam a relva; gerem o dia-a-dia. Um universo aparentemente terraplanado onde essa minha caixa de Pandora parece não existir.

Num canto da cozinha, reina neste pequeno império da normalidade, um enorme plasma que teima, à hora das refeições, em cuspir doses diárias de medo e mediocridade. E este microcosmos parece repetir-se pelas casas da vizinhança daquela rua pacata de uma normal cidade de província.

Estranhamente tudo aquilo gera-me alguma claustrofobia. O problema é que à semelhança do tal cigarro, fui-me, ao longo dos anos, habituando a ver nalgumas catarses mais sombrias uma espécie de libertação.

E agora questiono, será inevitável?

Haverá forma de viver a vida em pleno sem assumir esse meu lado mais nocturno?

Estará o problema no dito modelo de normalidade?

Pois não sei, mas sei que no dia de hoje, sinto um medo real de novamente perder o controle. Embora por outro lado, sinta precisamente o apelo da vertigem. 

1 comentário:

  1. Deixei de fumar há oito anos e todos os dias me lembro e tenho saudades desse cigarro que tanta companhia me fazia!
    ... mas voltar é que não!

    Um abraço.

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