sexta-feira, 21 de setembro de 2012

O dinheiro


Como já aqui disse, já vai havendo um certo tempo que vivo com muito pouco dinheiro; nem sempre foi assim.

O não ter dinheiro oferece algumas vantagens; das mais interessantes é a transparência. Passa a haver um conjunto de cenários  em que deixamos de ser vistos: por exemplo, se entrar numa loja cara, os empregados não apenas não cumprimentam como prosseguem as criticas ao patrão.  E lá estamos nós, de repente, convidados para os bastidores daquele espaço. Recorda-me aquelas conversas de adultos que se tinha em frente às crianças por elas alegadamente não perceberem nada.

Wrong: lembro-me de tudo.

Mas é claro que o não ter dinheiro também convida na minha vida um conjunto de inconvenientes. O principal é de longe a erosão da autoestima. Quiçá pelos modelos com que cresci, sei que fui formatado para ser naturalmente bem sucedido; ou seja, para ter algum Poder económico. Pois acreditem que acoplada ao tempo livre que acompanha geralmente essas situações, a falta de dinheiro, tem uma tremenda capacidade corrosiva. Se não consegues sequer ir além das tuas necessidades básicas, qual a tua mais-valia?

Mas mesmo além das minhas pequenas vicissitudes financeiras, o dinheiro continua a ser um tema verdadeiramente épico.  Principalmente para quem, como eu, nasceu dentro de uma cultura da meritocracia: uma lógica que formatava soldadinhos do sistema no pressuposto de que o esforço e a persistência eram a mais valiosa das moedas.  Pois a verdade é que cada vez mais observo, aqui à escala da nossa paróquia, que a posse  do vil metal vai mais de par com redes de influência, alguma manha e falta de moralidade.

Custa-me formular esta leitura, porque parece que ao fazê-lo, me inscrevo no role dos ressabiados; dos recalcados; dos que têm ciúmes; no fundo, dos que não foram a tempo de saltar para dentro do barco. E ainda não desisti de ter um dia a minha piscina plantada no meio das árvores.

Mas sim, reconheço que para mim o dinheiro deixou de estar predominantemente ligado à tal cultura do esforço e do mérito.

E se alargarmos a observação à escala da época mais do que à do espaço, veremos que a coisa ainda se torna mais escandalosamente amoral. Desde logo, comecemos por questionar quem são os detentores do capital em 2012?

Serão industriais?, serão sociedades que souberam dotar-se de um saber de vanguarda?

Pois não: são predominantemente detentores de recursos naturais: quer seja petróleo, gás, terras, metais preciosos.... Hoje em dia, as chamadas economias emergentes são essencialmente gestoras de rendas. E claro está que à frente da exploração dos recursos naturais, estão os herdeiros oligárquicos de umas dinastias opacas; os mesmos que só bebem champanhe a 2000 dólares a garrafa e por aí adiante. A esta nível, o dinheiro é um conceito; é algo de inócuo.  E esta é para mim, a melhor metáfora que define o dinheiro em 2012.

Não interessa de onde vem: interessa é tê-lo.

E este é um corolário que enterrou tudo à sua volta: foram-se os deuses; foram-se os heróis; foram-se ideologias políticas; ficou a sociedade do dinheiro.

Recordo-me de ter lido há tempos uma sondagem que listava as prioridades de vida dos jovens pelo mundo. Verificava-se que, com uma excepção, a totalidade dos países sondados - nos quais constavam todos os ditos emergentes - colocavam o ganhar dinheiro como objectivo numero um. Para trás ficava uma longa lista de sonhos imputáveis, na visão romântica, a jovens em início de vida.

Para a pequena história, fiquem a saber que o único pais que fugia a este triste constato era um país da Europa nórdica.

Sinto, ao terminar este texto, que estou a viver numa espécie de Titanic em lento processo de afundamento, em que mais do que nunca vigora a regra do Salve-se quem puder. 

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