segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Prometeu e Hermes


As viagens mais marcantes que fiz até hoje foram as mais lentas; estou neste momento a viver uma viagem às minhas entranhas que me tem feito oscilar entre muitas das coisas que desejo e os seus opostos, que quero.  É nesse lado profundamente contraditório da minha pessoa que reside boa parte da minha singularidade.  

Talvez, por isso, tenho feito o esforço de voltar a procurar os livros como companheiros. Há neles espaço para a dúvida, o humor, a ironia, o erotismo. 

A norma é hoje o pós-humanismo mais do que o humanismo.  Já ninguém espera de uma conversa que faça emergir o que não existia antes dela. Não, agora é suposto ir-se ao que interessa; ter-se opiniões firmes acerca das coisas.

A própria noção de conversa tornou-se sórdida; para quê tanta palavra?

Há que ser prático; as coisas têm de ter uma função;  de preferência aqui e agora; esqueçamos tudo o que conduz à opacidade e contradição do ser humano; é bem mais fácil ficarmo-nos por conceitos claros; um like aqui; uns sim nãos na linha de apoio técnico; o chamado teste americano na Universidade pós-Bolonha e a partilha de umas fotos ou músicas na hora em que queremos exprimir algo de vagamente mais intimo.

Já ouviram falar de Kevin Warwick?

Explorem, vale a pena: o homem que se autointitula como primeiro cyborg defende a teoria de que na génese de toda a violência estarão mal-entendidos. Por isso, preconiza o fim da comunicação verbal como melhor forma de promover uma ligação direta entre seres vivos, mediada por sensores e tecnologia, e que garanta uma comunicação sem ruído.

É um caso paradigmático e extremo para alguns mas que tem o mérito de ilustrar uma tendência incontestável para a comunicação direta, para o open space, para a cultura da transparência, da visibilidade, do controlo.

Não se trata aqui de ser tecnófilo ou tecnófobo. Desde os primórdios da história que Prometeu (a técnica) sempre precisou de Hermes (a linguagem) para construir aquilo a que chamamos hoje a civilização.  Passa-se é que a cultura tecnológica sofreu tamanhos avanços, nos últimos anos, que deixámos de considerar a esfera da linguagem como relevante.

Na verdade, os entusiastas da internet, dir-vos-ão que estamos a criar um enorme cérebro mundial de que cada um de nós é um neurónio.

Pois digo-vos que esta imagem me gera um autêntico pavor. Apetece-me logo partir esta merda toda e mostrar o rabo só para que me excluam da foto de família.

Mas por outro lado, também eu quero ser reconhecido; por si; estou aqui, neste blogue à espera que me leia. Seria hipócrita dizer que me basto a mim próprio: que este blogue só serve para materializar o meu eu intimo.

Estarei, à semelhança do autor de “Is Google making us stupid?”,  Nicholas Carr , já na fase terminal do humanismo?; incapaz de ler um livro grosso; de estabelecer um diálogo comigo que não sirva a única função do diálogo com o outro; irei ainda a tempo de reservar um espacinho na minha vida para os mistérios que habito? 

1 comentário:

  1. Convido quem tenha interesse por essas questões a ler este post anterior:

    http://godotisback.blogspot.pt/2012/10/a-sociedade-pos-biologica.html

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