Toda a minha
escolaridade foi passada até aos meus dezasseis anos em escolas católicas. Quer isso
dizer que daí em diante, a minha construção como jovem adulto se confundiu
muito diretamente com uma profunda emancipação face aos ensinamentos catequéticos.
Desde a fatiota à
ritualização colectiva da vida pessoal, tudo ali me levava a associar igreja a
lavagem cerebral e desrespeito da liberdade intima.
O passar dos anos
levou-me a diluir esta reação. Pactuo hoje com o fervor religioso da minha avó
por saber que o mesmo a liga a uma forma de universalidade abstracta e que a
apazigua face ao sentido da vida. Revejo, por isso, um conjunto de vantagens
práticas na sua devoção católica.
Mas levando um pouco mais
adiante essa reflexão, observo hoje que as regras que regulam as relações
mundiais são muito mais herdeiras de um padrão protestante do que
católico: valores como o individualismo;
a valorização do sucesso económico, do esforço, do trabalho, da mobilidade ou
ainda da realização pessoal.... Toda uma cultura virada para o sucesso onde a
católica apela ao recolhimento interior.
Qual poderá ser o
contributo da instituição católica, tão disseminada nas nossas sociedades, numa altura
em que o mundo apela a tantas mudanças profundas?
Dos jesuítas aos
atuais missionários, haverá na dádiva cristã algum legado a reinvestir?
Fará sentido retirar
da igreja somente aquilo que interessa procurando esquecer não apenas um certo
passado como todo um discurso em vigor sobre questões socialmente fraturantes?
Deveremo-nos focar
nas pessoas que vestem o hábito ou nos deuses que idolatram?
É que enquanto este
debate surge como irrelevante na Europa, vão-se registando, mundo fora, fenómenos
alarmantes de galvanização religiosa: desde os tea party, facção ultraconservadora dos republicanos
norte-americanos, à disseminação de preceitos xiitas impulsionada pelos petrodólares
dos Emirados Árabes ou do Qatar, de que o movimento ennahdha ou a al-qaeda são o melhor exemplo.
O século XXI está
votado a uma maior espiritualidade e enquanto a velha Europa deserta as suas
igrejas em nome de uma vivência mais intima, vai-se assistindo não
apenas a autênticas guerras de poder como a uma efetiva disseminação de valores
profundamente religiosos.
Questionem o atual modelo económico,
a nossa relação ao dinheiro, o ressurgimento de uma certa castidade junto a
franjas juvenis da nossa população: sexo, amor ou sucesso são hoje exemplos de
valores que estão a ser altamente revisitados à luz de referenciais que seria bom questionar em vez
de nos ficarmos pelo eterno chavão da culpa judaíco-cristã.
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