Se me perguntarem se acredito em Deus, a minha resposta será a mesma
desde a adolescência: considero-me animista com uma costela de panteísta.
Sim, reconheço que, já na altura, gostava de me enfeitar de palavras mas além dos adornos havia ali algo de
sentido que se manteve até hoje. A natureza tem esta capacidade de me ligar como um todo ao Todo.
Quando fiz a minha travessia da Ásia escolhi a
água: desci o rio Yangtzé para depois
subir a contra corrente o Mekong. Não há melhor guia para se sentir as
entranhas daquela cultura do que a água.
Se me perguntarem como é que gostaria de morrer dir-vos-ei que gostava
de me transformar em árvore, símbolo perfeito da vida: das raízes passadas aos
frutos futuros. A terra é, além disso, o elemento a que resolvi dedicar a
minha vida profissional.
Já o fogo é aquela dinâmica de vida semi-destrutiva com que me digladio
aqui diariamente: é dos quatro elementos aquele que mais me caracteriza.
E fica o ar, o meu elemento predilecto: aquele que me me provoca os maiores júbilos.
É alias com ele que me apetece aqui enrolar agora. Deixem-me partilhar
convosco a seguinte imagem: remonta a uma madrugada festivaleira meio
fluorescente; tudo era belo.
De repente emerge-me na aurora Dani Siciliano; de tailleur cinzento; austera e improvável naquele momento descosido.
Foi beleza pura… À voz juntou-se o ar. E foi assim, que aos poucos, foi surgindo
o Mathew Herbert: o homem do sopro.
Sem pressas conseguiu desviar o meu olhar da musa. Aquele tipo agarrado
ao seu apêndice metálico – vulgo saxofone – que esculpia o sopro vital transformando-o ali em música; emoção;
intimidade.
Mas que poder.
Nunca antes disso tivera os pulmões tão
cheios. Por pouco quase que levantava voo. É esse o poder do ar; aproxima-me da
substância abstracta das coisas.
Já quando vira o Lost Highway do David Lynch, a imagem de Fred Madison, um
saxofonista da cena underground a
interpretar a música do Badalamenti feito bicho, tatuou-me o neurónio; marcou-me
pela capacidade quase que animal de ali exprimir algo de profundamente vivo.
Não há palavras capazes de restituir aquela
força.
Portanto está dito: vou, aos 38 anos, voltar a
aprender uma língua nova.
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