A Organização das
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) está reunida esta semana
para discutir novas soluções de combate à fome no mundo; mais um desses encontros que ocupam uma
breve nos diários e que caem no caldeirão do esquecimento colectivo e individual em escassos
segundos.
É pena, porque
haveria em torno deste encontro muita matéria merecedora de alguma reflexão.
Desde logo um dado bastante revelador: entre dois terços a três quartos dos 870
milhões de indivíduos que passam fome são agricultores. Refiro-me aquele pequeno agricultor que
dispõe de uma ou duas vacas. Um pequeno lavrador que tem de rivalizar com o
leite em pó importado dos nossos países na hora em que procura vender o seu
pequeno excedente para sobreviver. É que enquanto as suas duas vacas lhe dão dois litros de leite por dia, por detrás do leite em pó encontram-se vacas leiteiras que produzem mais de 27 litros de leite por dia e por vaca.
É fácil perceber que não há parte
alguma do mundo em que se consiga rivalizar com os excedentes agrícolas dos nosso
países em matéria de gado, cereais ou leite. E enquanto mantivermos este
sistema estaremos a condenar este pequeno agricultor à pobreza ou a encher os
barcos de imigrantes ilegais que rumam a Lampedusa.
A questão é aqui
vista sob um prisma económico mas poderia ainda ser vista sob a lupa do meio
ambiente. Não restam dúvidas que o nosso actual modelo de exploração agrícola
(...) é absolutamente desajustado e torna-se urgente repensá-lo.
Só para sublinhar o
absurdo da coisa, note-se que são necessários 200 quilos de cereais por pessoa
e por ano para suprir às necessidades consideradas básicas e consequentemente
não sofrer de carências alimentares. Produz-se hoje uma média de 330 quilos de
cereais por pessoa, à escala planetária. E contudo, 870 milhões de indivíduos continuam a viver bem abaixo dos tais 200 quilos.
Não se trata dos países ricos
darem caridosamente os seus excedentes para suprir essas lacunas. Trata-se de
assumirmos que em matéria agrícola é vital respeitar regras de protecionismo
alimentar e económico, baseadas num regime de pequena e média agricultura de
proximidade. Algo que os países hoje ditos em crise sempre combateram.
E isso, conduz-me ao
ponto que eu queria com este texto aqui destacar: a crise.
Agora vou eu
parafrasear os idosos da aldeia da minha avó: a crise?, mas que crise?
A crise está num
modelo que faz também dos nossos pequenos e médios produtores agrícolas vítimas
do sistema; a crise está em que quem tem menos dinheiro nos nossos países come hoje
pior que os país comiam há uma geração; a crise está que a agricultura
deixou de ser herdeira de tradições seculares; a crise está em que a
agricultura deixou de garantir a coesão das comunidades. Esta sim é uma crise
que nos merece um ajuste rápido e urgente.
Agora quem me fala em
crise por não podermos garantir um suposto crescimento económico de dois ou
três por cento ao ano que vá dizer isso ao pequeno agricultor africano. Em boa
hora que há uma crise que nasceu do facto de novas economias mundiais estarem a
emergir e com isso a sair da pobreza. Em boa hora que elas nos mostram aquilo
de que têm sido vitimas e que é a consequência clara de uma cultura de sobre produção
que não serve ninguém a não ser uma máfia de intermediárias que nos inundam com
verdades económicas também elas empacotadas.
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