Estava há dias a
conversar com a Carla, a minha amiga
refinada e espinhosa, quando surgiu à
tona a sua releitura do romance A
Insustentável Leveza do Ser. Já fora
graças a uma dessas conversas que lera o ano passado Anna Karenina, e mais uma vez convenceu-me, sem querer, a também eu
voltar a ler este romance que pensava já ter lido. Pois se o li em tempos não o entendi nada.
Mas mais do que o
romance em si cuja leitura se encontra em curso é mais neste pressuposto que
sempre combati que me apetece aqui perder-me: a ideia de reler um livro já
lido; voltar com mais calma a uma cidade já atravessada; voltar a dar tempo a
velhos amigos com quem já não partilhamos muito há muito; tudo isso roça na
minha cabeça de hiperativo a noção de desperdício.
É aliás uma coisa boa
que quem tem filhos e netos acaba por saber muito bem. Viver a vida revivendo-a
no outro: mais um primeiro dia de escola; mais um amor e um mundo que ali
morre; mais os eu nunca e eu sempre... Tanto ciclo que nos atravessa e que nos
esculpe o espírito e as vontades e que só percebemos quando deixamos de ser actor
para ser espectador ou narrador.
Mas lá está, sou um
rato urbano. Continuo a viver só; a olhar para o futuro como a dupla do Titanic de braços abertos; A ideia de um
tempo em espiral quase que me priva de ar. Até que surge assim um livro, uma conversa,
uma memória que me confronta às minhas pressas passadas; àquilo que não soube
ver ou saborear.
A verdade é que
esses embates devolvem uma liberdade; a de saber que temos em nós uma
biblioteca de experiências que poucas vezes sabemos consultar. Tal como aqui dizia há dias, nem sempre o
seguir em frente é a opção mais corajosa ou neste caso proveitosa.
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