Quando o amor
encontra a liberdade.
É um pouco assim que
se poderia rebatizar o ensaio da socióloga Eva
Ellouz, intitulado Why Love hurts. O estudo demora-se sobre as mudanças sociais
que explicam a crise do amor.
Em traços muito
gerais o que é aqui dito é que a visão moderna do amor deixou de incluir uma paixão isenta de reflexão. A relação amorosa expõe hoje o sujeito ao
sucesso e ao fracasso dado que o casal deixou de ser aquele parêntesis em que o
amante se descarrega do peso da sua existência através do seu amor. Ao mesmo
título que na rua ou na empresa, os critérios que hoje validam o interesse de
uma relação passam por uma apreciação pragmática que leva ao esvaziamento da
definição de paixão.
É pelo menos esta a
análise da ensaísta israelita que introduz neste estudo um enquadramento
histórico francamente interessante. Não apenas ficamos a saber que a palavra amor
nasceu com o cristianismo – um amor monógamo para uma religião monoteísta – como
o facto do modelo que agora entra em decadência ser uma herança do romantismo:
uma altura em que o amor pautava-se por uma entrega menos calculada e em que o
sofrimento, aqui amoroso, assumia a função de ajudar a um reconhecimento
pessoal. Nada a ver com o sofrimento
contemporâneo tornado inútil pela era secular, liberal e técnica em que vivemos.
Sofrer não serve
hoje para nada a não ser para destruir os alicerces da auto estima.
Um excelente exemplo
do ultra pragmatismo a que esta visão não romântica conduziu é o filme Shame do realizador Steve McQueen. O actor Michael Fassbender encarna um ser que
consome numa sexualidade compulsiva a sua incapacidade de amar. O amor conjugal ou romântico torna-se ali
algo de profundamente inútil e sórdido; algo que não encaixa nos preceitos utilitaristas daquele tipo bem
sucedido da cidade financeira.
Depois de ter
dessacralizado a devoção à pátria e a militância política, a modernidade celebra
agora o fim da entrega amorosa. É um fim
triste que confronta o ser humano aos fundamentos da sua condição. Tudo está agora por reinventar: deuses,
heróis e homens.
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