É engraçada a forma como nos habituámos a
olhar àquilo que nos rodeia de um modo cada vez mais caricatural. Vejo nisso o
resultado desta cultura do clique e do atalho mental.
Falava há uns tempos com uns amigos residentes em França para quem o cenário português era claro: o Estado social democrata estava a impor reformas adiadas e o povo entregue a
confortos ociosos defendia a sua dama sem qualquer noção de consciência
global. Entendo que de fora seja
tentador fazer este tipo de análise encurtada; até acredito que as mesmas não
andem longe das dos políticos e demais tecnocratas que nos pilotam à distância.
Sei que também eu caí neste erro no caso grego
até as analogias com Portugal me obrigarem a revisitar muitas verdades gregas.
E foi um pouco embebido dessa consciência que decidi dedicar umas horas deste
meu fim-de-semana à realidade norte-americana.
Ocorreu-me ir um pouco além da simpatia natural que Barack Obama me
inspira para questionar como é que é possível que se coloque sequer a hipótese
de vir a perder face a Mitt Romney.
Então, grosso
modo, os principais pontos fracos apontados a Obama poderiam aqui ser o não
encerramento de Guantanamo; o
prolongar da Guerra no Afeganistão; A ausência de uma fiscalidade que taxe Wall Street ou ainda a inexistência de novos impostos que incidam sobre os mais ricos... Já do lado das conquistas,
pode-se dizer que, melhor ou pior, o Estados Unidos conseguiram sair da crise;
apesar do desemprego estar nos oito por cento conseguiu baixar dois pontos
percentuais nos últimos meses e mais do que isso, estas são de há dez anos a esta parte as
primeiras eleições em que o país vai às urnas sem ter um cenário de guerra em pano
de fundo.
Dir-me-ão ainda que o homem implementou uma
reforma histórica dos serviços públicos de saúde. Eu quanto a isso direi apenas, esperemos por 2014,
ano da sua implementação, para ver; mas ao que tudo indica, pode-se desde já
lamentar que a saúde americana – privada ou pública – continue a corresponder a
cerca de 15 por cento do PIB, muito acima das médias europeias (10 por cento em Portugal).
Com base nestes exemplos, pode-se acusar o actual presidente norte-americano de
não ter sabido fazer frente aos grupos de pressão. Obama apareceu como uma
figura de ruptura, mas revelou-se um reformista muito decepcionante.
Já agora, na mesma linha, há que registar que
o balanço do governador Romney nos estados do Michigan e do Massachusetts parece ter sido assinalável
quer em matéria de criação de postos de trabalho como de algumas reformas na
Segurança Social.
Portanto aqui, as coisas poderão ser menos
lineares quanto nos daria jeito que fossem.
Eu concluo, com esta pequena análise, que a realidade
é sempre complexa e que a sociedade preguiçosa em que nos tornámos põe
seriamente em causa as virtudes da democracia.
As maiorias são perigosas porque preguiçosas e as elites são inoperantes
porque comprometidas quer com as opiniões públicas quer com os quartéis do
dinheiro, que são quem hoje financia as campanhas nos Estados Unidos e as
políticas sociais na Europa.
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