Calhou-me a sorte
grande de ser o responsável do condomínio do meu prédio. Na verdade, em onze
anos de copropriedade, esta já é a terceira vez.
São seis andares,
que incluem rés-do-chão e águas furtadas, com dois apartamentos por piso. Daí que, em bom rigor, fosse expectável que este brinde só me calhasse de doze em
doze anos. Mas isso, seria num mundo ideal; no mundo em que o meu prédio se
insere a norma é a não norma.
Desde logo porque
tratando-se de um prédio pombalino, todos herdámos apartamentos com divisões
comunicantes que levaram a que nenhuma das facções seja hoje igual à do vizinho
por cada um ter feito as suas obras.
Depois, passa-se que a amostra
sociológica deste prédio merece também ela um olhar mais atento.
Temos aqui os
herdeiros de um passado já romântico. Refiro-me
a uma meia dúzia de idosos com quem partilho o dia-a-dia do prédio dado que os
restantes condóminos ou vivem fora do país ou optaram por subarrendar as casas
a turistas de curta duração.
Pode-se dizer que
este microcosmos reflecte, em certa medida, a evolução de Lisboa. Temos aqui os tais guardiões da memória que
continuam a trocar cebolas por um fio de azeite mas a verdade é que vai-se
tornando cada vez mais difícil cultivar estes pretextos para fazer do patamar
um espaço de alguma troca. Cada vez mais, o vizinho é um turista muito
sorridente, e que até procura misturar-se aos locais, mas que além de só ficar
três dias não fala uma palavra de português.
E assim se foi
operando uma mudança de fundo neste simpático bairro do Príncipe Real. Sinto que
deixei de viver em Lisboa para viver em Lisbon. Todo este comércio trendy cuja dinâmica contrasta com o apocalipse nacional destina-se
cada vez mais a lisboetas de passagem.
Sem dúvida que há vantagens nisso mas não deixo de perceber o desamparo
destas Donas Marias cujo dia se resume, por vezes, à ida à mercearia com uma ou
duas conversas metidas pelo meio e para quem o fim das trocas de vão de escada
amputa o grosso da vida social.
E confesso que este
ponto conduz-nos a uma outra questão: a
da falta de transversalidade dos nosso círculos sociais. Temos hoje com
facilidade os colegas de trabalho; os familiares; os amigos de sexta à noite;
os encontros de meia noite.... O outro passa a ser com facilidade a extensão
coisificada das minhas necessidades.
Aquela predisposição a nos
construirmos com encontros de por acaso já é algo mais romântico que efectivo.
E nesse sentido,
lamento a nossa crescente incapacidade em estabelecer um diálogo com esta
geração de avós que viveu o grosso da sua vida no pré 25 de Abril; que
atravessou guerras; que conheceu miséria e que nos viu crescer.
Acredito que se não
estivéssemos sempre tão obcecados lá com o horizonte do mar quiçá soubéssemos
atracar de quando em vez no patamar das escadas.
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